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Mistérios Divinos

Mito… Anjos… Assinato… Pela aparência do homem solitário sentado no banco do parque, ninguém jamais imaginaria suas origens - um antigo anjo, descido dos céus eras atrás. Ele apareceu na Terra para contar uma história que deve ser ouvida - uma história dos primórdios do tempo, quando o mundo ainda era um traçado aos olhos de Deus, e o pecado ainda não era conhecido, e do primeiro e mais execrável crime no recém-desabrochado universo do Criador. Um assassinato no Paraíso.
O premiado artista P. Craig Russell adapta o aclamado conto do escritor Neil Gaiman para apresentar um mistério de assassinato divino que você não esquecerá tão cedo.                                                                                                                                                                    
Título: Mistérios Divinos
Roteiro: Neil Gaiman
Arte: P. Craig Russel
Editora: Devir
Número de Páginas: 64


É fato que não canso de me surpreender com a criatividade de Neil Gaiman e a forma habilidosa com que ele amarra suas histórias, permeadas de referências e releituras de mitos conhecidos, sem deixar de dar o seu toque de originalidade ao trazer uma abordagem totalmente nova e inusitada para eles. Em Mistérios Divinos ele se inspira na mitologia cristã, propondo uma releitura para a origem do universo ao passo que instiga reflexões a temas universais como a origem do mal, a vingança como uma virtude, a fé posta à prova e a linha sutil que separa o bem e o mal.
Mistérios Divinos narra a história de um pai de família inglês recordando-se de forma vaga de um fato ocorrido quando esteve em Los Angeles, nos Estados Unidos, há pelo menos dez anos. Com o voo cancelado pelo mau tempo e não podendo voltar para a Inglaterra ele recebe uma ligação de Tinkerbell, uma antiga namorada, e resolve encontrá-la. Ele lembra-se de ter sido levado pela colega de quarto de Tink, da conversa que tiveram no carro e do encontro naquela noite. Após isso sua memória vacila e ele se vê diante do local onde se hospedou e enquanto caminhava encontra um homem misterioso que lhe pede um cigarro. Em troca do cigarro o homem lhe paga a gentileza com uma história.
Nela ele fala de tempos remotos, de quando ainda era um anjo e de como fora criado para uma única e exclusiva função: a vingança. Pois esta era a Vontade do Nome, a vontade de Deus... O homem fala de um crime que teria ocorrido na Cidade Prateada, no Paraíso, quando o universo e suas regras ainda estavam sendo planejados pelo Nome e seu séquito de Anjos. Um anjo havia sido assassinado, e coube a Lúcifer, o Capitão do Anfitrião e o servo-chefe do Nome, convocá-lo, a Vingança do Senhor, o Anjo Raguel, para investigar e punir o culpado de tal crime. Segue-se então uma sequência de investigação conduzida por Raguel que coleta pistas e interroga possíveis suspeitos. Desvendar esse mistério trará consequências perturbadoras para os anjos envolvidos na investigação e também para o inglês que ouve o relato do homem misterioso naquela fria noite em Los Angeles. E assim, amor, assassinato, vingança e justiça compõe uma belíssima história mesclada a uma trama paralela, no presente, marcada de mistério, segredos e lembranças.
“Murder Mysteries”, o título original dessa história, foi originalmente publicado como um conto na coletânea “Angels & Visitations” de 1992 e posteriormente republicado em “Fumaça e Espelhos” de 1998. A adaptação para quadrinhos por P. Craig Russell, encomendada pela Dark Horse em 2002, chegou ao Brasil pela editora Devir em janeiro de 2007, num formato de luxo com papel couche e capa-dura. A tradução ficou a cargo de Marquito Maia e não notei erros ortográficos ou de revisão durante a leitura.
O trabalho de adaptação de P. Craig Russell está impecável! A ele coube a missão de traduzir em imagens a narrativa fantástica e onírica do conto de Gaiman e eu diria que ele foi muito feliz em todos os aspectos da sua interpretação. Não há elementos destoantes, texto e imagem fluem em perfeita sintonia e transmitem desde a majestosidade celeste quanto a cruza da realidade humana. Os traços são fortes mas não deixam de transparecer uma certa delicadeza e requinte evidenciados ainda mais pela colorização suave de Lovern Kindzierski. O ilustrador, que já havia trabalhado com Gaiman na série Sandman em sua quinquagésima edição, um especial sobre o Ramadã, também é conhecido por adaptar para quadrinhos outras obras de Gaiman como Coraline e O Livro do Cemitério, além de ilustrar histórias dos especiais Sandman: Noites Sem Fim e Sandman: Os Caçadores de Sonhos.
A dicotomia Céu e Inferno costuma render sempre ótimas histórias e as mais fascinantes são as que passeiam entre estes extremos não tão opostos quanto se pode imaginar a priori. A representação dos anjos vistos aqui pode facilmente ser integrada ao universo da aclamada série em quadrinhos Sandman, onde Lúcifer, tem papel de destaque logo nos primeiros arcos, aliás um dos personagens mais interessantes não apenas das histórias de Gaiman. O texto de Gaiman traz momentos arrebatadores e ao começar a ler é impossível não se apegar à história e querer desvendar todos os mistérios que pululam em suas páginas. As pistas que conduzem para os desfechos surpreendentes, assim na Terra como no Céu, se escondem sorrateiramente e ao terminar, a vontade é de reler imediatamente para catar uma por uma. O conto é tão bem construído que faz você se sentir um pouco mais sujo sendo cúmplice de tão grandes e graves segredos. Para quem já conhece o trabalho do autor, eu nem preciso recomendar, para quem for conhecê-lo a partir de Mistérios Divinos eu tenho certeza de que o encontro será, no mínimo, inesquecível!