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Contos Inacabados





Contos Inacabados é um conjunto de narrativas que se estendem desde o tempo de O Silmarillion - os Dias Antigos da Terra-média - até o fim da Guerra do Anel em O Senhor dos Anéis. Seus numerosos tesouros incluem o vivaz relato de Gandalf sobre como chegou a enviar os anões à celebrada festa em Bolsão, o surgimento do deus marinho Ulmo diante dos olhos de Tuor na costa de Beleriand, e uma descrição da organização militar dos Cavaleiros de Rohan.


Título: Contos Inacabados
Editora: WMF Martins Fontes

Autor: J.R.R. Tolkien
Número de páginas: 585


Ronald Kyrmse, um dos mais renomados tolkienistas brasileiros defende que uma das características mais marcantes na obra de Tolkien é a sua tridimensionalidade, isto é, suas histórias, personagens, cenários e eventos não são nada planos. Eles ocupam um lugar definido no tempo, situando-se em eras distintas e mutáveis, possuem uma diversidade inerente de assuntos que vai muito além da mera jornada heroica e uma profundidade tal que seus inúmeros detalhes e especificidades podem ser observados e analisados sob as mais diversas lupas. Tudo isso inegavelmente contribui para tornar Arda, a sua grande criação e mundo fictício, ainda mais crível. E são estes elementos tridimensionais que fazem com que os fãs, cada vez mais ávidos por informações, busquem preencher as lacunas deixadas em sua narrativas com pesquisas e horas debruçados sobre as mais diversas questões referentes àquele universo, seja em textos não concluídos deixados pelo autor, seja pela leitura de suas cartas, sua biografia e suas fontes de inspiração, ou em discussões acaloradas em fóruns na internet e entre amigos.
Por que Galadriel e Celeborn permaneceram na Terra-média mesmo após o fim da maldição de Mandos sob a casa de Fëanor? Como funcionava a política entre os reinos humanos na época dos eventos narrados em O Senhor dos Anéis e qual o papel e a influência dos palantíri nestas políticas? Como era a ilha de Númenor e quais os feitos de seus governantes? Qual a origem da aliança entre Rohan e Gondor e de que forma se organizavam os exércitos dos rohirrim?
Certa vez me disseram que você só se torna realmente um fã de Tolkien após ter lido a tríade de obras O Hobbit, a trilogia O Senhor dos Anéis e O Silmarillion, e que o Contos Inacabados seria o próximo desafio óbvio e te colocaria numa graduação superior à do fã comum. Talvez até possa ser assim ou isso não passe de uma grande bobagem, mas o fato é que apenas alguém realmente muito curioso, fanático e apaixonado pela obra do Professor, mergulharia tão fundo em sua criação.
Embora não influenciem diretamente nas narrativas principais de seus livros, perguntas como as feitas acima constituem um excelente exercício imaginativo para estes fãs mais “hardcore” da mitologia de Tolkien e só são possíveis devido ao seu aspecto tridimensional mencionado no início. Contos Inacabados demonstra que a demanda por histórias de Tolkien vários anos após a sua morte ainda continua presente e crescendo.
Mas o que são afinal os Contos Inacabados? Trata-se de uma coleção de histórias de J.R.R. Tolkien, que nunca foram concluídas durante a sua vida, mas foram compiladas e editados por seu filho Christopher Tolkien e publicadas originalmente em 1980. Ao contrário d’O Silmarillion, para o qual os fragmentos narrativos foram ligeiramente modificados para se conectar em um trabalho consistente e coerente, os Contos Inacabados são apresentados como Tolkien os deixou. Assim, alguns destes contos são histórias incompletas, enquanto outros são coleções de informação factual e breves ensaios sobre a Terra-média. Cada conto é seguido por uma longa série de notas do editor que explicam inconsistências e pontos obscuros.
Estruturalmente o livro é dividido em quatro partes. A Primeira Parte traz dois textos com versões também presentes n’O Silmarillion: “De Tuor e sua chegada a Gondolin” e “O Conto dos Filhos de Húrin”; a Segunda Parte é composta por textos dedicados à ilha de Númenor trazendo de início um mapa e “Uma descrição da ilha de Númenor“, seguidos da história de “Aldarion e Erendis” e “A Linhagem de Elros: Reis de Númenor“. Por fim, a Segunda Parte se encerra encerra com “A história de Galadriel e Celeborn” e apêndices sobre os Elfos Silvestres e Lórien; na Terceira Parte, temos uma narrativa sobre “O desastre dos Campos de Lis”, a história de “Cirion e Eorl e a amizade entre Gondor e Rohan”, seguidas de “A busca de Erebor” contado de forma empolgante na voz do próprio Gandalf, “A Caçada do Anel” e “As Batalhas dos Vaus do Isen”. As três primeiras partes contam respectivamente histórias da Primeira, Segunda e Terceira Eras, enquanto a Quarta (e última) Parte funciona como um apêndice trazendo ensaios gerais sobre “Os Drúedain“, “Os Istari” e “Os Palantíri”. Além das notas já mencionadas o livro também conta com um glossário que é de grande utilidade dada a quantidade de nomes citados e referenciados nos contos.
Contos Inacabados é um livro verdadeiramente desafiador e requer do seu leitor um conhecimento prévio mínimo do universo de Tolkien, de modo que eu não o recomendo de jeito nenhum para novatos. A leitura algumas vezes se torna cansativa e requer atenção redobrada nas idas e vindas entre texto, notas e apêndices. Ter por perto material de apoio como mapas impressos e os outros livros de Tolkien também é de grande valia. Recomendo encará-lo mais como um livro de História, para estudo e referência, levando em conta a amplitude e variedade de temas e épocas abarcados, do que como uma antologia de contos e narrativas per se.
Para aqueles cuja leitura de O Hobbit, O Senhor dos Anéis e O Silmarillion não foram o suficiente para aplacar de vez a vontade de explorar a Terra-média e nem se conformam com apenas experimentar as jornadas épicas propiciadas pelas suas narrativas, Contos Inacabados proporciona não apenas aprofundamento e momentos de rara beleza, mas também um vislumbre amplo dos arroubos criativos de Tolkien. Debruçar-se sobre a sua inventiva mitologia e estar imerso nas páginas de seus livros é uma necessidade constante e recorrente, alimentada pelo saboroso prazer da descoberta.