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Neuromancer




No futuro, existe a matrix: uma alucinação coletiva virtual, na qual todos se conectam para saber tudo sobre tudo. Case, porém, não pode mais acessá-la.
Ele foi banido e, hoje, sobrevive como pode nos subúrbios de Tóquio. E continuaria a se destruir se não encontrasse Molly, uma samurai das ruas que o convoca para uma missão da qual depende toda a existência da rede. ​O romance de estre​ia de Gibson é o primeiro volume da chamada Trilogia do Sprawl, que ainda inclui os livros Count Zero e Mona Lisa Overdrive.
Esta​ edição comemorativa de 30 anos contém os extras: ​prefácio do autor escrito especialmente para o público brasileiro, três contos inéditos no Brasil e ambientados no universo Sprawl: Johnny Mnemônico, Hotel New Rose e Queimando Cromo (o​s contos trazem personagens e eventos presentes no livro) e uma ​entrevista de Gibson concedida ao escritor e crítico literário Larry McCaffery.​
Título: Neuromancer
Editora: Aleph
Autor: William Gibson
Número de páginas: 416


Neuromancer de William Gibson é tido como um dos precursores do gênero cyberpunk e em seus mais de 30 anos de publicação, inspirou toda uma leva de autores e obras, inclusive a famosa trilogia de filmes Matrix e o icônico anime e mangá dos anos 1990, Ghost In the Shell. Publicado originalmente em 1984, Neuromancer é considerado um marco por romper com a ficção científica clássica de Asimov, Clarke e Dick por seu forte apelo aos aspectos que viriam a ser consolidados como as bases fundamentais do cyberpunk. Temos grandes e poderosas corporações dominando a informação e controlando milhões de vidas humanas. O submundo do crime nunca esteve tão forte e organizado. A sociedade encontra-se num nível moral decadente, não é afeita a nenhum tipo de ética e seus maiores valores são exaltados na vaidade e no individualismo. Há também a forte presença tecnológica com implantes tecnológicos extremamente comuns e a convivência em ambientes virtuais como uma realidade.
É nesse mundo, beirando o caos distópico, que a trama se desenvolve. Acompanhamos Case, um cowboy do Sprawl, uma espécie de hacker profissional, contratado por toda sorte de criminosos para invadir os sistemas de grandes corporações e roubar dados confidenciais. Contudo, quando nos encontramos com ele, os seus dias de invasor de sistemas de computador já estão acabados. Ele teve a audácia de roubar os próprios patrões e teve o seu sistema nervoso “torrado” com a injeção de toxinas como punição,  sendo agora incapaz de se conectar ao ciberespaço pela interface da matrix. Nos subúrbios de Tóquio, Case está levando uma vida decadente, sem trabalho, sem dinheiro, descontando nas drogas a abstinência do ambiente virtual e cogitando o suicídio. A guinada vem quando ele recebe uma proposta irrecusável de Molly Millions, uma mulher bela e fatal que atua como samurai das ruas, extremamente técnica e profissional. Ela o recruta para uma missão a mando do excêntrico ex-militar Armitage, oferecendo a Case a cura e a chance de voltar à ativa no ciberespaço! E ele nem pensa duas vezes! Case inicia assim uma viagem vertiginosa pelo submundo da informática entre o Japão e o gigantesco conglomerado urbano que se estende de Boston a Atlanta, passa por Istambul e termina nas colônias orbitais onde ele finalmente descobre a real natureza de quem o contratou.
Exceto pelas referências de outras obras eu não sabia muito o que esperar de Neuromancer. O livro se mostrou um pouco confuso a princípio, mas depois que você pega o jeito com as trocas de cenários e núcleos de personagens, ele ganha uma fluidez e agilidade que raramente experimentei em outras obras. A prosa do Gibson beira a poesia e a surrealidade em alguns momentos e o autor se vale de metáforas e abstrações incríveis para nos transmitir emoções e sensações que doutra forma seriam dificilmente explicadas em palavras. É um livro alucinante, com uma trama simples, mas ainda assim, surpreendente com seus vários momentos de virada e onde o profundamente humano e o insanamente bizarro caminham lado a lado.
Os termos técnicos de computação usados pelo autor para compor a estética de Neuromancer não são grandes empecilhos e logo logo são assimilados, podendo passar a fazer parte do vocabulário do leitor (se é que já não o fazem, pois não somos todos garotos digitais do século XXI?). A vontade é de sentar confortavelmente no meu deck, conectar-me ao ciberespaço pela interface da matrix e, como alguns dos melhores cowboys, derrubar os ICEs duma grande zaibatsu, ou flipar para um dispositivo de simstim e sentir a ação e os perigos das missões dos samurais das ruas como a Molly.
Embora Case seja o protagonista e Gibson nos conte a história quase que inteiramente sobre o ponto de vista do cowboy, foi Molly a personagem que mais me despertou a atenção. Ela tem um histórico traumático e brutal cercado de mistério e que aos poucos vamos desvendando não recaindo nos estereótipos da masculinização e nem na hipersexualização como costuma ocorrer com personagens femininas em livros de ficção científica . É curioso notar que embora ela ainda seja humana, talvez seja também a personagem que mais se comporte como uma máquina ao longo do livro. Neste quesito ela é o principal contraponto às Inteligências Artificiais (IAs) cujos diálogos e comportamento emulam de forma perturbadora e convincente os dos próprios humanos.
Não posso deixar de mencionar a opção da editora Aleph por um projeto gráfico mais ousado para a sua Edição Especial de 30 Anos. O livro não possui uma capa convencional e deixa à mostra a costura da encadernação. A cor da linha é do mesmo tom de rosa das páginas que dividem cada uma das partes e dos capítulos internamente. Tudo isso numa caixa que faz as vezes de capa e protege a edição, que embora pareça frágil num primeiro olhar, se mostrou bastante resistente ao ser manuseada e carregada para lá e para cá durante a leitura. Esta edição especial ainda conta com três contos extras, até então inéditos no Brasil, ambientados no universo Sprawl: Johnny Mnemônico (que traz um pouco mais do passado de Molly e o inicio de seu relacionamento com Johnny), Queimando Cromo (meu favorito dos três e aquele cujo clima mais se aproxima de Neuromancer com direito a quebra de ICEs e a presença de IAs) e Hotel New Rose (sobre um fugitivo de uma das grandes corporações do Sprawl) além de uma entrevista de Gibson concedida ao escritor e crítico literário Larry McCaffery em que o autor comenta de maneira descontraída sobre as suas influências e o seu processo de criação e escrita.