Único livro de contos do premiado autor Shaun Tan: recebeu o Astrid Lindgren Memorial Award (2010), menção especial na Feira de Bolonha (2007) e, pelo filme The Lost Thing, o Oscar de Melhor Curta-Metragem de Animação. Os “lugares distantes” foram inspirados nas experiências da infância do autor em Perth, na Austrália. Nessas 15 histórias, Shaun Tan reúne paisagens estranhas, ficção científica e fantasia.
O fantástico e a vida comum convivem lado a lado, dando a impressão de que algo mágico pode acontecer a qualquer momento. As histórias têm um humor que irá cativar dos leitores iniciantes aos mais sofisticados. As ilustrações participam das histórias e, em algumas delas, o final se concretiza apenas por uma forte imagem. Shaun Tan utiliza várias técnicas para criar os desenhos: pintura, guache, grafite,colagem e outras.
O escritor britânico Neil Gaiman escreveu um texto de quarta capa exclusivo para a edição da Cosac Naify. Da resenha do jornal britânico The Guardian: “Este é o livro mais bonito que você verá durante o ano”.
Título: Contos de Lugares Distantes
Título Original: Tales From Outer Suburbia
Editora: Cosac Naify
Autor: Shaun Tan
Tradução: Érico Assis
Ano: 2012 / Número de páginas: 104
A imagem do cachorro sobre a televisão olhando para algo indefinido ao longe e o sugestivo nome de Contos de Lugares Distantes foram as duas primeiras coisas que me chamaram a atenção e me intrigaram neste pequeno livro de Shaun Tan. Há em ambos um convite quase irresistível à viagem e a leitura e foi a eles que aceitei quando resolvi me aventurar por estas poucas páginas, deste belo livro ilustrado dum autor com nome curioso e até então totalmente desconhecido por mim.
Shaun Tan é um autor e ilustrador australiano premiado e celebrado por seus trabalhos contemporâneos na literatura infantojuvenil. Contos de Lugares Distantes é seu único trabalho como contista e nasceu de uma coleção pessoal de várias ilustrações informais que ele colecionou ao longo de anos num caderno de desenhos e que por sinal ilustram o verso da capa desta edição. Inúmeras ideias, personagens e formas quase sempre descontínuas e fragmentadas tal qual a própria imaginação e a memória constituem e serviram de base para a criação e o desenvolvimento dos contos presentes aqui, perfazendo uma obra que transcende o tão habitual e tão errôneo rótulo de simplista que comumente se dá e se espera dum livro infantil. Definitivamente, Contos de Lugares Distantes não é um livro apenas para crianças e traz uma profundidade inerente que também pode e deve ser apreciada por pessoas de qualquer idade. Shaun Tan se expressa de forma concisa e envolvente, suas ilustrações fazem mais do que complementar seu texto, são elementos indissociáveis da narrativa tal qual num quadrinho e por vezes até contam suas próprias histórias.
Contos de Lugares Distantes é composto por quinze contos curtos bem peculiares e particulares cujos temas e propostas também são bem variados e é até difícil buscar uma unidade narrativa entre eles a não ser aquela sugerida pelo título, como contos pertencentes a outras esferas da vida, outras localidades, para além do comum e cotidiano, beirando a mais pura fantasia e ainda assim eles conseguem ser tão familiares e próximos e nos tocar até mesmo em sua banalidade mais singela. Do muito pequeno ao impossível e ao que sequer existe, tudo aqui se torna real, possível e palpável e não há limites nos enredos mágicos desses contos. Entre eles, destaco:
“País Nenhum” aqui uma família descobre um lugar mágico e paradisíaco no sótão de casa e passa a se refugiar do mundo nele, embora temam que este segredo seja descoberto pelos outros e lhes seja tirado. É uma metáfora sobre os pequenos oásis e pedaços do paraíso que às vezes encontramos dentro de nossas próprias casas, na família e em nós mesmos, é sobre nossos portos seguros em meio às turbulências e adversidades.
“Os Gravetos” faz uma reflexão sobre talvez tudo aquilo que não percebemos, mas que por algum motivo continua lá. Os personagens principais são pequenos gravetos humanóides que dividem espaço conosco e o conto nos força a uma inversão de perspectiva fascinante ao seu final. A técnica de pintura usada para ilustrá-lo me remeteu instantaneamente a algumas obras de
Edward Hopper com seu balanço contrastante de luz, sombra e solidão urbana.
“Chuva ao Longe” conta a história do que acontece com todas aquelas poesias pensadas, escritas e esquecidas pelas pessoas, mas que pelos mais variados motivos jamais vêm à público e como elas passam a se atrair umas às outras pelo sentimento de incompletude e posteriormente vindo à chover devolvendo ao mundo todos os fragmentos de sentimentos que carregavam. É o mais poético dos contos e o mais intrincado visualmente, com ilustrações em forma de inúmeros pedaços de papel de variadas cores, tamanhos e formatos.
“Velório” é o conto cuja ilustração aparece na capa. Nele uma grande matilha de cães se reúne para velar um dos seus que fora morto injustamente. Tem um forte peso metafórico e evoca valores e sentimentalismos capazes de deixar qualquer um comovido e emocionado.
“Ressaca” um enorme animal marinho, do nada, amanhece num quintal duma casa cujos moradores passam por problemas de convivência. O evento atrai a atenção dos vizinhos, mas é quando o animal finalmente é devolvido ao mar que percebemos como às vezes falta a mesma mobilização para problemas que estão bem debaixo do nosso nariz e simplesmente ignoramos. Dentre todos os contos foi o que mais me surpreendeu e emocionou, é lindo e triste, mas mostra que ainda há tempo para redenção.
O livro é totalmente colorido e impresso em papel couche fosco de alta qualidade. Além dos contos ele traz uma biografia do autor e do tradutor, Érico Assis, bem como um texto especialmente escrito por Neil Gaiman para a quarta capa desta edição. Shaun Tan também é conhecido por usar diversas técnicas artísticas para criar seus desenhos. Numa rápida folheada é possível perceber essa ampla variedade de estilos: pintura, guache, grafite, colagem e outras estão presentes aqui. Vale mencionar o cuidadoso e notável trabalho editorial com tipografia feito no conto “Chuva ao Longe”, que é inteiramente composto por recortes de variados pedaços de papel, cada um com uma fonte diferente.
Ao fim da leitura sobra a agradável sensação de ter saído do mundo por alguns breves minutos e de ter visitado esses tais lugares distantes, acessíveis apenas através de texto, imagens e imaginação. Cada conto traz uma linguagem e mensagens bem próprias e vai imprimir no leitor uma experiência única ao seu fim. Talvez seja necessária uma certa predisposição para o deslumbramento e que o leitor se deixe sensibilizar e se inquietar com a leitura, que acaba pedindo por reflexão e um olhar para além daquilo que é visível. Há muito em suas páginas, metáforas, grafismos e narrativas, mas ainda assim tudo isso precisa que você vá e encontre por si mesmo algumas respostas, crie suas próprias conclusões e complemente as histórias com sua própria experiência e percepção de mundo, tanto através dos sentidos quanto da sua própria subjetividade. Quaisquer que sejam suas escolhas, a certeza é de que a viagem aos lugares distantes através dos contos e ilustrações de Shaun Tan será recompensadora!