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A Menina Submersa



'A Menina Submersa - Memórias' é um verdadeiro conto de fadas, uma história de fantasmas habitada por sereias e licantropos. Mas antes de tudo uma grande história de amor construída como um quebra-cabeça pós-moderno, uma viagem através do labirinto de uma crescente doença mental. Um romance repleto de camadas, mitos e mistério, beleza e horror, em um fluxo de arquétipos que desafiam a primazia do 'real' sobre o 'verdadeiro' e resultam em uma das mais poderosas fantasias dark dos últimos anos. Considerado uma 'obra-prima do terror' da nova geração, o romance é repleto de elementos de realismo mágico e foi indicado a mais de cinco prêmios de literatura fantástica, e vencedor do importante Bram Stoker Awards 2013. A autora se aproxima de grandes nomes como Edgar Allan Poe e HP Lovecraft, que enxergaram o terror em um universo simples e trivial - na rua ao lado ou nas plácidas águas escuras do rio que passa perto de casa -, e sabem que o medo real nos habita. O romance evoca também as obras de Lewis Carrol, Emily Dickinson e a Ofélia, de Hamlet, clássica peça de Shakespeare, além de referências diretas a artistas mulheres que deram um fim trágico à sua existência, como a escritora Virginia Woolf.
Título: A Menina Submersa
Editora: Darkside Books

Autor: Caitlín R. Kiernan
Número de páginas: 320

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A Menina Submersa não é um livro fácil de ser comentado seja pela complexidade de sua trama, seja pelos poucos pontos realmente factuais que nos são narrados ou até pelo grande grau de incerteza que ele propositalmente é capaz de imprimir em seu leitor. Tanto é assim que quando me perguntaram sobre o que é o livro e sobre como a sua história se desenrola, tive sérias dificuldades para explicar. Me permito citar a nota de abertura da autora Caitlín R. Kiernan como referência: “ Este livro é o que é, o que significa que ele pode não ser o livro que você espera que seja”. Pois bem, A Menina Submersa foi muito mais do que eu esperava que fosse em todos os sentidos!
O livro conta a história de India Morgan Phelps, e na verdade ele é o próprio relato desta protagonista que também é pintora e escritora e que sofre de esquizofrenia. Imp, como também é chamada, tenta colocar no papel os temores e fantasmas que a assombram em forma de pensamentos e memórias das quais ela própria não tem certeza se de fato aconteceram ou não. Estes eventos estão diretamente associados ao encontro de Imp com uma outra mulher: Eva Canning, que ora é descrita como um fantasma, um lobo e uma sereia. O surgimento de Eva na vida de Imp e todo um histórico de vida complicado a transtornaram completamente e é com a personagem neste estado que iniciamos a leitura. Mas quando foi mesmo que elas se encontraram? Além de Imp e Eva há ainda Abalyn,a personagem que mais se aproxima do ponto de vista do leitor e que testemunha as particularidades e os surtos de Imp.
As três principais personagens são todas mulheres e o núcleo de coadjuvantes é quase que inteiramente feminino. Representatividade importa e este certamente é um livro que lida com isso de forma natural e responsável.
Por ser escrito em forma de memórias e em primeira pessoa, temos muitos fluxos de pensamento e digressões ao longo do livro que não segue uma estrutura linear clara e definida. De fato algumas vezes percebemos vozes dissonantes da própria narradora participando da criação. Caitlín R. Kiernan demonstra uma inegável habilidade para trabalhar com tal quantidade de elementos e um domínio surpreendente dos mesmos no livro.
Aliás uma característica marcante na história de Imp é a quantidade de referências feitas pela protagonista a obras literárias, sobretudo os contos de fada de Perrault, Andersen, Carroll e Grimm, além de algumas obras de arte e eventos e lugares reais com histórias igualmente assustadoras, tais como o culto da Dália Negra e a Floresta dos Suicidas de Aokigahara no Japão. O texto suscita instantaneamente a curiosidade no leitor e é quase impossível não se deter por alguns instantes na leitura para pesquisar quem são aqueles lugares, autores, artistas e obras. Duas delas em especial evocam em Imp um assombro perturbador e são peça fundamental no desenvolvimento da sua narrativa: “The Drownning Girl” e “Fecunda Ratis”, respectivamente de Phillip George Saltonstall e Albert Perrault. Gostaria de contar o que descobri sobre elas pesquisando enquanto lia, mas não ouso e me recuso a tirar o prazer desta experiência de possíveis futuros leitores. A linha entre ficção e realidade é tão tênue dentro do livro quanto fora dele.
A Menina Submersa requer um pouco de maturidade e que se compre de antemão a sua premissa para ser apreciado em sua totalidade. A falta de linearidade, as digressões e o final inconclusivo e aberto podem decepcionar alguns leitores. Contudo ao se analisar todo o histórico da protagonista é compreensível a forma e os rumos que a história toma de modo que não ouso tirar pontos dele por isso. Seria extremamente injusto visto que esta é justamente a intenção da sua verdadeira autora, Caitlín R. Kiernan, e apreciei tanto a experiência que terminei a leitura já querendo reler apenas para me sentir novamente imerso nos pensamentos de Imp.
O interior do livro possui ilustrações e algumas delas coincidem com os momentos mais dramáticos de Imp no livro. A diagramação e a tipografia também variam para destacar os vários recortes que compõem o imenso quebra-cabeças orquestrado por Imp. A edição nacional da Dark Side está disponível em versão brochura e de luxo com capa-dura com tradução de Ana Resende e Carolina Caires Coelho.
É um livro bem escrito e que foge totalmente dos padrões convencionais dos romances de terror e fantasia. É extremamente rico em elementos fantásticos e em referências literárias e artísticas e consegue prender e cativar seu leitor com o drama psicológico experimentado por Imp em sua mente singularmente complexa e dúbia. A Menina Submersa é a prova de que os nossos maiores medos são aqueles que nós mesmos criamos e cultivamos no âmago da nossa própria psique e é impossível escapar incólume da sua leitura. Recomendo para quem quer sair da mesmice e esteja disposto a mergulhar fundo na mente de uma personagem muito bem construída que lhe dará um vislumbre real e palpável de insanidade. Entre as muitas experiências que a literatura propicia, esta é sem duvida uma das que vale a pena ter.