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Contato






Contato com extraterrestres não é sinônimo de homenzinhos verdes desembarcando de um disco voador. É muito mais- sinais captados num radiotelescópio podem conter mensagens capazes de nos fazer repensar toda a nossa concepção da vida e do universo. Em 'Contato', o que está em jogo é o mundo tal como o conhecemos. Como quem faz uma aposta, Sagan nos convida a uma viagem pelo buraco negro que é a inteligência humana.



Título: Contato
Autor (a): Carl Sagan
Editora: Companhia de Bolso
Número de Páginas: 437

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Puxando muito pela memória talvez a primeira vez que eu tenha ouvido falar em Carl Sagan tenha sido numa revista Superinteressante. Carl Sagan é mundialmente reconhecido pelo seu trabalho de divulgação científica e pela aclamada série Cosmos: A Personal Voyage na década de 1980, sendo responsável por inspirar uma geração inteira de novos cientistas e entusiastas da Ciência. Ele era orador versátil e sabia transmitir como poucos o que sabia, despertando a atenção e a curiosidade de sua platéia ao falar de temas que variavam da pesquisa espacial, da origem da vida e evolução até as questões climáticas e o armamentismo nuclear de forma esclarecida e articulada com um tom que beirava a poesia. Isso é perceptível ao longo de toda a série Cosmos, nos seus muitos livros sobre divulgação científica e também na sua única incursão como escritor num romance, Contato. 
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Contato narra a história da pequena Eleanor "Ellie" Arroway. Uma criança que como quase todas, é curiosa e fascinada pelo mundo e as coisas que a cercam. Desde cedo ela demonstra uma aptidão natural para a ciência, sendo capaz de desmontar e montar equipamentos eletrônicos, chegando até mesmo a construir sua própria máquina de criptografia, e têm na figura paterna o seu maior incentivador. 
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Num dos eventos da sua adolescência, ao ouvir uma aula sobre o número pi, ela questiona o professor sobre o porquê deste número continuar infinitamente e ele, irritado com a pergunta, não lhe dá uma resposta adequada. Intrigada com o tal número, ela vai até uma biblioteca de uma universidade onde pesquisa e descobre que pi faz parte de uma classe especial de números e o que o faz ser irracional e se prolongar ad infinitum. Esse evento, além de mostrar muito da personalidade da protagonista, ainda reserva uma importante conexão a ser feita com o final do livro. 
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Seguimos acompanhando seu crescimento, vem o primeiro grande trauma com a perda precoce do pai e a chegada de um padrasto tão diferente dele. Toda essa primeira parte foca muito na construção da personagem e é fundamental para entendermos o seu comportamento e pontos de vista na fase adulta e no decorrer da história. É algo que Carl fez maravilhosamente e não é difícil notar o quanto autor e sua personagem se parecem. 
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Após obter seu doutorado em rádio astronomia no Caltech, Ellie passa a trabalhar com pesquisa de inteligência extraterrestre, usando poderosos radiotelescópios para “ouvir” os céus em busca de sinais de rádio possivelmente emitidos por civilizações extraterrestres com um grau tecnológico semelhante ou superior ao nosso. Nem tudo são flores, além de problemas com financiamento em sua pesquisa, ela ainda enfrenta problemas por sua presença feminina num ambiente predominantemente machista e antigos dilemas familiares com sua mãe. 
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A grande guinada na história e na carreira da protagonista acontece quando finalmente um sinal peculiar, composto por uma sequência específica de números, os primos, vindo de Vega, uma estrela a cerca de 25 anos-luz da Terra, é captado pela equipe de Ellie. Rapidamente a notícia se espalha. Outras redes de radiotelescópios de outros países também passam a captar e a monitorar o sinal. Ao analisá-lo eles descobrem haver uma mensagem cifrada escondida entre as intermináveis sequências de números primos. Governos inteiros e diversos setores da sociedade se mobilizam. A medida que a mensagem é completada, as análises dos dados prosseguem, e os cientistas descobrem que a ela contém uma espécie de manual de fabricação de uma Máquina e um consórcio internacional é formado para contruí-la. 
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Conforme tudo isto vai acontecendo temos discussões muito pertinentes ao longo do livro: devemos confiar nesta mensagem extraterrestre? Quais garantias temos de que eles sejam bem intencionados e de que a Máquina funcionará? Aliás o que a Máquina faz afinal? O esforço cooperativo internacional é grandioso, a própria existência da Máquina passa a influenciar a economia, o progresso científico, as artes, a cultura e as religiões. O livro toca em todas estas nuances e Carl insere ao longo do texto conteúdo diverso dos vários saberes humanos de modo que a história cresce em complexidade e abrangência em cada uma das três partes: A Mensagem, A Máquina e A Galáxia. 
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É dificil não sentir empatia por Ellie Arroway e ela é uma das personagens femininas mais interessantes e bem construídas que tive o prazer de conhecer. Em sua pele vivenciamos a transformação provocada por sua descoberta na sociedade, o despertar de um amor até então inimaginável para ela, os conflitos entre razão e fé em debates acalorados com outros cientistas, líderes religiosos e políticos e é por meio dela que vamos aos poucos desvendar o segredo por trás dos autores da mensagem. Um outro personagem notável é S. R. Hadden, um empresário multibilionário que a priori parece bem mesquinho mas se mostra a vanguarda em pessoa. O desfecho para ambos é espetacular, me surpreendeu e não há dúvidas de que o fará pensar na grandiosidade das descobertas e decisões que eles tomaram. 
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Talvez o único ponto que não tenha me cativado tenha sido a forte presença russa na narrativa. Mas há de se levar em conta que o livro fora escrito em plena Guerra Fria, na década de 1980. A edição que possuo da Cia de Bolso tem alguns erros de digitação, o símbolo do número pi (representado pela letra grega π), está ausente em algumas partes e em seu lugar temos apenas um quadrado em branco. Mas estes são detalhes menores e que não comprometem de forma alguma a experiência da leitura. 
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Se assim como eu você se interessa por ficção científica, astronomia, a questão da vida extraterrestre ou por pesquisa vai se deliciar com este livro! Mas já aviso que ele é muito mais do que isto! Os temas centrais são em sua maior parte humanos, giram em torno do embate entre a fé e a razão e de como ambas podem ser meios através dos quais podemos experimentar um fascínio transcendental e até divino pelo Universo, um conceito conhecido como numinoso. A própria transformação social narrada ao longo do livro é um ótimo exercício de imaginação caso algum dia venhamos a fazer contato. O livro é mais uma prova da genialidade de Sagan, que além de um exímio cientista também foi um romancista brilhante.