BEM-VINDO VIAJANTE! O QUE BUSCA NO MULTIVERSO?

A Jornada do Escritor: Estrutura Mítica Para Escritores

O livro 'A jornada do escritor', de Christopher Vogler, busca enumerar ao leitor todas as etapas de construção de personagens e situações necessários para se escrever uma boa história. Para isso, o autor usa estruturas míticas bastante conhecidas como base para o seu roteiro de escrita. O livro é dividido em três seções. A primeira descreve cada uma das personagens que são essenciais para qualquer tipo de história. A segunda propõe estágios ou situações primárias para que a narrativa tenha boa fluência até o final. Por fim, o epílogo faz um resumo da viagem e os apêndices usam 'A jornada do escritor' para analisar roteiros de filmes de sucesso como 'Titanic', 'Guerra nas estrelas' e 'Pulp Fiction - Tempo de violência'. Christopher Vogler propõe ao leitor que crie novos caminhos para a sua própria jornada de escritor. Com este objetivo, ao fim de cada capítulo há uma seção com perguntas para o pleno entendimento e aplicação dos conceitos utilizados por Vogler, a fim de que o escritor seja bem-sucedido em sua viagem que é escrever.
Título: A Jornada do Escritor - Estrutura Mística Para Escritores
Autor: Christopher Vloger
Editora: Aleph
Lançamento: 2015
Páginas: 488


Quem nunca se perguntou quais os ingredientes certos para se contar uma boa história? O que ela precisa ter para tocar emocionalmente e de forma transcendente o seu público? O que faz de uma história um sucesso? Ou ainda se há certas similaridades inerentes a todas as histórias de sucesso?
Algumas pistas para se responder estas perguntas podem ser encontradas n'A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler. Baseando-se em estudos anteriores de Joseph Campbell, Carl Jung entre outros, e também em sua própria experiência como consultor e analista de roteiros dos estúdios de cinema de Hollywood, Vogler conceitua e estrutura a Jornada do Herói, uma forma narrativa pautada numa sequência linear de eventos chave na história. Um modelo básico presente em inúmeros mitos das mais diversas culturas do mundo e que perpetua-se no nosso imaginário desde que o ser humano começou a criar e a contar as primeiras histórias.
Em seu cerne está o crescimento do Herói, a saída de um lugar cômodo, o enfrentamento de um perigo mortal, sua superação e a mudança infringida pela Jornada na própria figura do Herói. Por lidar com questões tão universais e comuns a todos os seres humanos, somos imediatamente fisgados por histórias deste tipo e rapidamente nos identificamos com elas e seus personagens. Simplesmente queremos aprender e ser como os heróis, queremos experimentar os perigos mortais aos quais eles se submetem, assim como também queremos triunfar e crescer, superando nossas fraquezas internas e externas a fim de nos tornar pessoas melhores.
Vale ressaltar que o modelo não se aplica somente a uma jornada mitológica ou física. Os nomes dos estágios precisam ser interpretados como conceitos de uma metáfora. Jornadas de cunho mais pessoal e íntimo como a descoberta do amor e a busca por felicidade ou reconhecimento também podem ser concebidas e analisadas sob o viés da Jornada do Herói. Outro ponto a se levar em conta é que os conceitos apresentados não são de forma alguma critérios definitivos e imutáveis e que precisem ser seguidos à risca o tempo todo. O modelo é extremamente versátil e da imensa margem para a criatividade e inovação por parte do escritor que venha a utilizá-lo.
A Jornada do Escritor é dividido em duas partes (Livro Um e Livro Dois) e mais um Apêndice ao final. Na primeira, somos apresentados rapidamente ao modelo da Jornada do Herói, temos uma definição dos estágios e como eles se organizam em Atos ao se contar uma história. Mas neste primeiro momento, o foco maior fica para a apresentação dos Arquétipos que representam os papéis desempenhados pelos personagens tanto pelo viés psicológico quanto pelas funções dramáticas que exercem na história. São oito tipos ao todo (Herói, Mentor, Guardião do Limiar, Arauto, Camaleão, Sombra, Aliado e Pícaro) e cada um deles é tratado em um capítulo próprio.
Descobrimos que todos os personagens podem apresentar, combinar, permutar e até se transformar em qualquer uma das facetas arquetípicas acima. Um Aliado pode assumir as rédeas da situação numa atitude esperada do Herói, um Mentor pode ser tão super protetor com o Herói a ponto de agir como um Guardião do Limiar ou ainda se deixar corromper pela ambição tornando-se uma Sombra e assim por diante...
Conhecendo os Arquétipos, as peças que vão se mover pelo tabuleiro da história, vamos à segunda parte, o Livro Dois. Nele Vogler discute detalhadamente cada um dos 12 estágios da Jornada do Herói. São eles:
- O Mundo Comum: no qual é apresentado o mundo e o cotidiano no qual o Herói vive.
- Chamado à Aventura: é o momento em que um problema, desafio ou jornada é proposta ao Herói.
- Recusa do Chamado: por medo ou desconforto o Herói reluta em aceitar o Chamado.
- Encontro Com o Mentor: quando surge uma figura experiente que treina, aconselha e encoraja o Herói à aceitar o Chamado e trilhar o caminho da Jornada.
- A Travessia do Primeiro Limiar: quando finalmente o herói sai do seu Mundo Comum, adentrando num Mundo Especial, mágico e diferente. É o momento sem volta da Jornada.
- Provas, Aliados e Inimigos: o Herói encontra aliados, faz inimigos, é testado e aprende as regras do Mundo Especial, agora a sua nova realidade.
- Aproximação da Caverna: após se adaptar ao Mundo Especial o Herói prossegue a busca do seu âmago e logo encontrará a surpresa e o terror supremo.
- A Provação: o Herói e sua vida são postos à prova, é o momento de maior conflito, da grande virada, aquele em que o herói experimenta o gosto da morte em sua forma mais intensa.
- Recompensa: após superar seu maior desafio, o Herói colhe sua recompensa, o elixir. Ela tanto pode ser física, um tesouro ou um item especial e específico ou simbólica como a superação de um trauma, um grande medo ou o aprendizado uma nova lição.
- O Caminho de Volta: trata da volta do Herói para o seu Mundo, uma fuga da Caverna Secreta.
- A Ressurreição: o Herói, agora transformado e renascido pela Jornada encara o desafio final e terá que fazer uso de tudo que aprendera até ali.
- Retorno com o Elixir: marca a volta do Herói portando o elixir para o Mundo Comum. Ele usará o que obteve na Jornada pelo Mundo Especial para enfim ajudar as pessoas do seu Mundo Comum.
Após nos apresentar o conceito mais básico e clichê de um estágio ou arquétipo o autor elenca mais outros tantos tópicos com as variações mais comuns desses mesmos clichês, fala dos modelos de cenas em que aparecem, as funções dramáticas e psicológicas que exercem e as características mais comuns esperadas deles. Por exemplo no capítulo sobre o arquétipo Herói há tópicos específicos para tratar da Identificação do Herói com o Público, do Sacrifício pelo outro, dos Heróis à Contragosto, dos Anti-heróis, de como o Herói Lida com a Morte e muito mais.
Toda a descrição tanto dos Arquétipos quanto das etapas da Jornada do Herói é feita tomando como referências e exemplos algumas das mais famosas histórias vistas em filmes, livros e na mitologia. Star Wars e O Mágico de Oz são presenças recorrentes e é delicioso reconhecer as referências feitas durante a leitura e acredite elas não não poucas!
Embora seja um livro de referência, o texto tem uma boa fluidez, o autor utiliza uma linguagem extremamente simples e instigante. A sensação que tive como leitor é a de também estar trilhando aqueles passos e me envolvendo numa jornada. Mas confesso que uma das melhores experiências que tive foi a de justa e propositalmente interromper a leitura para repensar algumas das obras que eu lera e vira buscando encontrar nelas as características narrativas que me eram apresentadas. Qual foi o Chamado à Aventura de Scarlett O'Hara em E O Vento Levou...? Qual foi a Provação Final de Bilbo Bolseiro n'O Hobbit? Quando o Esquadrão do Inferno adentra a Caverna Secreta em O Inimigo do Mundo? Qual a Recompensa obtida por Gretta James e Dan Mulligan na Jornada moderna de lançarem um álbum independente na internet no filme Mesmo Se Nada Der Certo? Perguntas como estas pipocaram na minha cabeça o tempo todo!
Ainda no Livro Dois, há um exercício semelhante a este feito pelo autor no Epílogo: A Recapitulação da Jornada, no qual ele analisa sob o viés da Jornada do Herói cinco obras cinematográficas distintas. Aqui podemos ver na prática a aplicação deste modelo. Seja na construção de um romance trágico de proporções épicas como em Titanic, numa animação da vida animal como em O Rei Leão, ou num roteiro vanguardista, pós-moderno e não linear como em Pulp Fiction, fica impossível não se surpreender com o quão dinâmica e versátil a Jornada do Herói pode ser. É a parte na qual aprendemos como observar a estrutura teórica pode fornecer pistas de como continuar uma história, perceber qual elemento pode estar faltando e assim aperfeiçoá-la. Também é a parte em que vemos como o conhecimento prévio da estrutura fornece ferramentas adequadas para se interpretar uma obra sob diversos aspectos. Particularmente eu fiquei impressionado com a quantidade de metáforas que Vogler conseguiu extrair de Titanic e quero rever o filme tão logo seja possível!
O último capítulo do Livro Dois, fala da Jornada do Escritor e resumidamente é a extrapolação da Jornada do Herói para a vida real com enfoque na arte de escrever. Se somos os protagonistas, os Heróis das nossas próprias jornadas de vida, podemos também reinterpretá-la com base na estrutura da Jornada do Herói. É um exercício bem inspirador e pode motivar e ajudar a lidar com alguns dos nossos problemas cotidianos ou com alguns daqueles que certamente teremos ao ousar contar nossas próprias histórias.
E por fim temos um Apêndice com cinco capítulos curtos nos quais o autor discorre temas variados ainda relacionados às histórias como a Polarização, a Catarse e A Sabedoria do Corpo. Tais temas acrescentam novas nuances que podem passar despercebidas na estrutura padrão da Jornada mas que inegavelmente contribuem tanto quanto ela para se contar e enriquecer uma história. Afinal, que escritor não quer deixar seu leitor arrepiado ou com o coração palpitando com sua história?
A Jornada do Escritor é uma fonte inesgotável de inspiração e idéias para escritores e roteiristas e aponta um caminho confiável a se trilhar na elaboração de histórias. De fato impressiona quantas delas podem ser contadas sem que nem ao menos suspeitemos de que todas bebem de uma mesma fonte! Do melodrama mais açucarado ao faroeste mais brutal, passando pela comédia, suspense, ação e fantasia, mesmo nas entrelinhas, lá estará presente a Jornada do Herói.
Esta terceira edição lançada pela editora Aleph inclui as Introduções e os Prefácios originais das edições anteriores, uma extensa Filmografia selecionada, um Índice Remissivo indispensável em qualquer obra de referência, além de trazer belas ilustrações de Michele Montez nas páginas de abertura dos capítulos e capa com acabamento emborrachado. É um livro altamente recomendado tanto para quem pretende contar suas próprias histórias ou para quem, como eu, quer entender e interpretar melhor todas aquelas que lê, vê e curte a fim de extrair o máximo delas. Seja você um Leitor, Escritor ou Herói, decerto terá valiosas lições a aprender com um Mentor como Vogler.