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Review | Mulherzinhas

Depois de ter, finalmente, assistido ao filme “Adoráveis Mulheres”(2019) resolvi retomar minha leitura de Mulherzinhas, da autora Louisa May Alcott, que estava parada na estante, ou melhor, no Kindle, desde antes da estreia do filme. Retomei a história das irmãs March e embarquei de vez no cenário acolhedor e bucólico que só uma cidade interiorana do século XIX pode proporcionar. 
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A história do livro se passa durante o final da guerra civil americana e vai relatar o dia a dia das quatro irmãs March durante o período de um ano. Logo no início ficamos sabendo que o pai das meninas está servindo no exército, que a família tinha perdido muito de seu dinheiro e que elas estavam levando uma vida bem mais simples do que no passado. Toda a ação do livro ocorre num ambiente doméstico e caseiro, sem confrontos externos ou vilões assustadores. É uma história focada no crescimento e desenvolvimento das personagens, na convivência familiar e no desenrolar das amizades. 
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Meg, a mais velha, é a que mais se ressente da riqueza perdida (talvez por se lembrar melhor do passado e perceber a diferença). Ela trabalha como preceptora de uma família rica e vive exposta a um constante contraste entre a situação luxuosa de seus empregadores e simplicidade que vive em casa. Os March sobrevivem bem e são capazes de ajudar seus vizinhos, mas não têm dinheiro para roupas, luvas e chapéus da última moda. 
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Jo, a protagonista, se dedica a inúmeras brincadeiras, clubes secretos e, é claro, à sua escrita. Ela é criativa, inteligente e tem um pavio bem curto, mas também é generosa e bondosa com aqueles que ama. Jo sonha em publicar as histórias que escreve, mas, enquanto o sucesso não chega, serve como dama de companhia a uma tia ranzinza, pela qual não sente lá muito apreço. 
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Beth, a mais tímida das quatro irmãs, é muito caseira e apegada à música e ao piano. Extremamente bondosa e meiga, ganha aos poucos o coração e o carinho de todos. Apesar de não ter como não se emocionar com a história da garota, percebi que ela tem uma evolução muito menor do que a das outras irmãs. Ela é uma personagem que já aparece quase “pronta” desde o início da narrativa. 
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Por fim, temos Amy, a caçula e artista plástica da família. Ela tem um bom desenvolvimento ao longo da história, mas, invariavelmente, tem uma opinião muito elevada da própria importância e gosta de usar palavras difíceis, em outros idiomas e utilizar ditos populares (os quais muitas vezes emprega de forma equivocada). Apesar dos momentos dramáticos e de ser considerada um pouco irritante, Amy serve como alívio cômico ao longo da história. 
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Além das meninas, outra personagem muito importante a qual somos apresentados, é a mãe, a sábia senhora March, que ampara as filhas nos momentos de dificuldade e também tem um bom espaço na história, de modo que conhecemos tanto suas virtudes quanto seus defeitos. Apesar de alguns personagens masculinos relevantes, Mulherzinhas é essencialmente uma história sobre mulheres, escrita por uma mulher de um ponto de vista realista e não idealizado ou preterido, como muitas vezes ocorre quando personagens femininas são narradas sob um ponto de vista masculino. Cada uma das irmãs tem características muito próprias que conseguem mostrar ao leitor que “ser mulher” pode ser muitas coisas diferentes. É claro que essa representação de diferentes papeis femininos aparece de uma forma bastante limitada para os padrões de hoje, mas, em certa medida, ajuda a empurrar os limites tradicionais do lugar da mulher na sociedade do século XIX. 
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O livro é quase uma autobiografia da autora que claramente é representada pela aspirante a escritora, Jo March. Mesmo que para um leitor do século XXI a história possa apresentar conceitos ultrapassados (que, sim, devem ser analisados, conversados e criticados se necessário), acredito que, vista sob a perspectiva da época, o livro é bastante progressista. As irmãs March trabalham, recebem seu próprio sustento e ajudam nas despesas da casa. Inclusive há uma passagem do livro em que uma amiga europeia de Laurie (o vizinho mais ou menos da idade das garotas que mora com o avô e se aproxima muito da família March) se choca ao saber que Meg trabalha como preceptora, mostrando um contraste entre a sociedade e os valores europeus e os do chamado “Novo Mundo”. 
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Minha maior crítica ao livro fica no fato de que, apesar da razoável independência das irmãs March, o casamento ainda é apontado como o auge da vida da mulher. O que é curioso pois, apesar de ser um claro registro da época, a própria autora nunca chegou a se casar e sustentava a família com sua escrita. Além disso era uma sufragista declarada e pronunciava suas opiniões políticas abertamente, com relação aos direitos das mulheres e contra a escravidão. 
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Alcott serviu de inspiração para diversas autoras, entre elas: Lucy Montgomery, a escritora de Anne de Green Gables. Ler Mulherzinhas logo depois das aventuras de Anne tornou muito difícil não estabelecer uma comparação. A escrita da Montgomery é bem mais fluida, os personagens muito mais cativantes e carismáticos e a visão dos papeis femininos um pouco mais progressista (apesar de ainda ser um registro muito próprio da época, no qual apenas pequenas mudanças começavam a despontar), a história de Anne ganha minha predileção. Ainda assim, finalizo destacando que a leitura foi agradável, que a atmosfera que Alcott passa em seu livro é acolhedora, envolvente e rende bons momentos junto às irmãs March e ao círculo de pessoas que as rodeiam. 

Resenha escrita por Simone Souza . Siga no twitter: @sih_souz


Título: Mulherzinhas
Autora: Louisa May Alcott
Editora: Várias (Escolha a Sua)