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Lolita

Lolita é um dos mais importantes romances do século XX. Polêmico, irônico, tocante, narra o amor obsessivo de Humbert Humbert, um cínico intelectual de meia-idade, por Dolores Haze, Lolita, 12 anos, uma ninfeta que inflama suas loucuras e seus desejos mais agudos. A obra-prima de Nabokov, agora em nova tradução, não é apenas uma assombrosa história de paixão e ruína. É também uma viagem de redescoberta pela América; é a exploração da linguagem e de seus matizes; é uma mostra da arte narrativa em seu auge. Através da voz de Humbert Humbert, o leitor nunca sabe ao certo quem é a caça, quem é o caçador.
Nabokov compôs a maior parte do manuscrito - que ele mesmo chamou de "bomba-relógio" - entre 1950 e 1953. Nos dois anos seguintes, ouviu recusas de cinco editoras norte-americanas ("pura pornografia", disse-lhe uma). Em 1955, foi finalmente aceito por uma obscura editora francesa, a Olympia Press. Em junho, assinou o contrato; em outubro, recebeu os primeiros exemplares, cheios de erros tipográficos.
O livro inicialmente não foi bem-recebido; uma revista pensou em publicar trechos, mas foi desaconselhada por advogados. No início de 1956, sua sorte mudou. Graham Greene havia colocado Lolita entre os melhores livros de 1955 numa edição do Sunday Times. A repercussão cresceu; em agosto de 1958, foi finalmente publicado nos EUA. Em setembro, alcançou o primeiro lugar na lista de mais vendidos. O sucesso faria com que Nabokov deixasse de dar aulas para viver apenas de sua literatura.
Título: Lolita
Título Original: Lolita
Editora: Alfaguara
Autor: Vladimir Nabokov
Tradução: Sergio Flaksman
Ano: 2011 / Páginas: 392


Assim como Moby Dick, Lolita é mais um destes livros cuja simples menção do título já nos traz logo à mente algumas impressões de senso comum tamanha é a fama que alcançaram no imaginário popular. O próprio termo “lolita” cunhado pelo autor é amplamente usado hoje para referir-se a adolescentes do sexo feminino sexualmente atraentes, um arquétipo da própria protagonista que dá nome ao livro. Escrito por Vladimir Nabokov em 1955 e publicado pela primeira vez na França, Lolita é tido como uma das maiores realizações na literatura do século XX frequentando diversas listas de melhores romances em âmbito mundial e certamente é também um dos mais polêmicos e controversos pela sua temática, já tendo também recebido diversas adaptações para o teatro e duas para o cinema, uma em 1962 com direção de Stanley Kubrick e outra em 1997 por Adrian Lyne.
“Lolita, luz da minha vida, fogo da minha carne. Minha alma, meu pecado. Lo-li-ta.” é com essas doces e românticas palavras que Humbert Humbert, o protagonista e também o narrador cínico e narcisista desta história, um professor universitário especializado em literatura francesa, recém chegado da Europa aos Estados Unidos inicia seu relato no qual descreve sua obsessão avassaladora por Dolores Haze, apelidada por ele de Lolita, sua enteada de apenas doze anos, com quem se envolve sexualmente após a morte de Charlotte Haze, a mãe e esposa, tentando justificar as suas atitudes a todo o custo recorrendo aos mais diversos argumentos enquanto nos leva a percorrer as memórias dos anos em que passou na companhia da garota. Nele também são contados o inicio da vida sexual do protagonista, o surgimento do seu desejo pervertido por jovens pubescentes, seus primeiros e frustrantes relacionamentos com adultas, a história dum casamento que termina em divórcio na Europa, sua ida aos Estados Unidos e muitos outros acontecimentos até o fatídico dia em que ele conhece a garota que o levaria aos extremos de sua perversão.
Tão logo foi publicado, Lolita instantaneamente tornou-se um clássico, seu tema forte, polêmico e perturbador aliados à uma escrita sedutora e envolvente conduzindo um drama eletrizante além da crítica escancarada ao modo de vida e a moralidade norte-americana na visão de um europeu e de um escritor russo sem dúvidas contribuíram imensamente para isso. Acredito que ele possa servir como um alerta a tipos como Humpert Humpert ao passo que nos oferece uma visão, por mais repulsiva que seja da mente doentia de um homem como ele e por mais que eu o condene por tudo o que fez não posso ser hipócrita de dizer que não me apiedei dele em certos momentos e me detestei por isso. Mesmo que tudo não passasse de pura lábia e dissimulação, a besta acuada acabou por revelar-se tão falível e humana em seu sofrimento quanto qualquer um de nós. Isso impressiona e incomoda, enquanto leitores somos um mero joguete para as suas palavras e ele brinca com nossa mente, sentimentos e moralidade da mesma forma que um gato brinca perseguindo um rato. Este convite a uma reflexão interna nos leva a conclusões bem assustadoras sobre nossos próprios instintos, bestialidade, compulsões e perversões. Em maior ou menor grau, queiramos ou não, carregamos em nós um pouco destes elementos e muito do choque com a leitura reside desse confronto que fazemos com este narrador ardiloso e nada confiável.
Lolita, ou melhor, Dolores Haze, a vítima do abusador, é praticamente silenciada na narrativa, temos pouco ou quase nada de sua personalidade e visão diante da sua própria condição. Ela é meramente um fetiche aos olhos de Humbert que em sua prosa a objetifica sexualmente e a enche dos mais variados mimos e defeitos, muitos dos quais nada mais são do que hábitos tipicamente comuns no comportamento infantil ou adolescente. Humbert a reveste com a aura duma entidade mítica pervertida, uma ninfeta, encarregada unicamente da tarefa de seduzí-lo e tentá-lo com seu encanto demoníaco. Impossível não se apiedar da criança, é preciso ter isto em mente o tempo todo, Lolita é apenas uma criança, uma vítima das circunstâncias, da omissão e da obsessão de um louco, e Humbert sabe ser convincente e é fácil ser enganado por sua lábia. Ele enquanto narrador sabe que você, leitor, o julga por cada ação e é extremamente cuidadoso com o que conta e da forma que conta, ele mesmo se assume como um pedófilo e confessa seus atos nos momentos certos, forçando conosco uma cumplicidade, uma certa simpatia e conivência que ao longo de páginas e páginas faz com que nos habituemos com a situação de abuso e no mar de divagações percamos o foco: é um livro sobre um pedófilo tentando a todo custo justificar seu crime. Discordo totalmente das interpretações que conferem ao sentimento de Humbert contornos românticos “Você devastou a minha vida!” provavelmente diria Lolita como ele mesmo sugere em dado momento, é perverso e cruel demais interpretá-lo desta forma.
A edição em português mais recente é da Alfaguara e conta com uma nova tradução de Sergio Flaksman (as anteriores eram de Brenno Silveira e Jorio Dauster) e traz um ensaio do próprio Nabokov publicado alguns anos após o romance onde o autor fala um pouco da gênese do livro, cita suas fontes de inspiração e comenta sobre sua aura polêmica. A edição traz também um posfácio de Martin Amis no qual, entre outras coisas, ele destaca a crueldade como tema central da obra. Senti falta de traduções para os termos e expressões em francês amplamente presentes na prosa de Humbert, mas pela frequência entendo que notas de rodapé mais atrapalhariam o ritmo da leitura do que ajudariam na compreensão dos mesmos que pode ser aferida facilmente observando o contexto em que são usadas.
Lolita é um livro incômodo e provavelmente levará os leitores mais sensíveis ao asco e à repulsa, seu ritmo varia propositalmente pela quantidade de digressões sobretudo em sua segunda e última parte. Ainda assim, todo o texto é duma beleza e capricho intrigante, têm uma eloquência própria, carregada de camadas, referências e sarcasmo, é sensual, cômico, dramático e angustiante ao mesmo tempo. A habilidade de Nabokov, que deu vida à pena voraz e ardil de Humbert, é inquestionável. Não há nele nada tão explícito e Humbert deixa que imaginemos muito do que acontece, o que é pior ainda do que se descrevesse, e assim a sua história e a de Dolores é levada enfim às últimas consequências. Humbert é um personagem trágico que sucumbe às próprias perversões, ao passo que Dolores é a vítima indefesa ideal da qual só nos resta lamentar pela triste sina na qual acaba enredada. É um livro do qual sobram adjetivos, mas é difícil explicar e recomendar, apenas vá em frente e encare!