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Fullmetal Alchemist

Fullmetal Alchemist, obra máxima de Hiromu Arakawa, está de volta em uma Edição Especial de Colecionador! Edward e Alphonse Elric são jovens alquimistas que estão em busca da lendária Pedra Filosofal para recuperarem os seus corpos. Ouvindo rumores sobre ela, os irmãos Elric vão para uma cidade profundamente devota ao seu Deus e àquele que divulga sua fé, o Pai Cornello. Este religioso tem praticado atos milagrosos que mais se parecem com transmutações alquímicas, e investigando a origem de tais milagres eles conhecem Rose, uma garota que busca na religião a esperança de rever seu amado. A jornada dos irmãos Elric que desafiará os limites da fé e da ciência começa aqui!
Título: Fullmetal Alchemist
Autora: Hiromu Arakawa
Tradutor: Luiz Octavio Kobayashi
Editora: JBC / Ano 2016
Acabamento: 13,5 x 20,5 cm, papel offset, tankobon, 192 págs



Se você, assim como eu, consome um mínimo que seja de produtos culturais japoneses certamente já teve contato com Fullmetal Alchemist em algum momento. O mangá de Hiromu Arakawa há tempos transpôs as fronteiras nipônicas, consolidando-se como uma franquia de sucesso mundial sendo adaptado para as mais diversas mídias, do anime, às produções cinematográficas e aos games e mais recentemente para um ainda vindouro filme em live-action. O mangá teve o primeiro de seus 108 capítulos publicado na revista Monthly Shōnen Gangan em julho de 2001, encerrando-se nove anos depois, em julho de 2010, e enfim sendo compilado e lançado em formato tankobon em 27 volumes no Japão pela editora Square Enix. Neste meio tempo a série foi contemplada na categoria melhor shonen no 49º Prêmio Shogakukan de Mangá em 2004. No Brasil ele foi publicado pela primeira vez em 2007 pela JBC no formato meio-tanko e agora, em 2016, retorna, num muito aguardado relançamento e em edição especial. Por mais que conhecesse a série de nome, referências e como um sinônimo de qualidade entre os fãs de mangá, esta é a primeira vez que tenho contato direto com ela.
Fullmetal Alchemist é ambientado num universo ficcional de fantasia inspirado no período pós-Revolução Industrial europeu no qual a alquimia é uma das técnicas científicas mais avançadas e conhecidas pela humanidade. A trama é centrada na dupla de irmãos alquimistas, Edward e Alphonse Elric, que estão numa jornada em busca da Pedra Filosofal, um poderoso e lendário objeto alquímico, com o objetivo de restaurarem os seus corpos. Descobrimos que Edward perdeu sua perna esquerda e seu braço direito substituindo-os mais tarde por próteses de aço (chamadas automails) enquanto Alphonse perdeu o seu corpo inteiro acabando com sua alma presa numa enorme armadura. Tudo isso como consequência duma malsucedida tentativa de trazer sua mãe de volta à vida com o uso de técnicas alquímicas proibidas. O primeiro volume traz quatro capítulos e há pequenos flashbacks que nos contextualizam sobre este passado dos protagonistas, no entanto o foco principal e imediato da trama é outro. Isso me remeteu um pouco às pequenas missões, tão comuns em jogos de RPGs, que precisam ser cumpridas antes que os heróis avancem rumo ao seu objetivo principal.
Encontramos os protagonistas no presente, seguindo rumores sobre atos milagrosos que lembram transmutações alquímicas, Ed e Alphonse chegam numa cidade devotada a expressar sua religiosidade no Deus-Sol Leto e naquele que propaga a sua palavra através de programas de rádio e dos tais milagres, o Pai Cornello. Lá eles conhecem Rose, uma garota esperançosa de um dia poder rever seu amado e a convencem a levá-los até a presença do religioso. Ao testemunharem um dos milagres sendo feito em público, a dupla de irmãos deduz que tudo não passa de um uso bem feito de alquimia, porém eles não conseguem identificar como Cornello faz tais façanhas sem pagar o preço devido à altura das transmutações realizadas. Conforme é explicado por Edward, esta é a lei básica da alquimia, a Lei da Troca Equivalente, cujo enunciado diz que para se ganhar alguma coisa, é necessário sacrificar alguma outra do mesmo valor. Na alquimia, criar coisas do nada é impossível e apenas a Pedra Filosofal seria capaz de ignorar essa lei. Estaria ela em poder de Cornello?
Este é apenas o mote do primeiro capítulo, mas o mangá abre inúmeras possibilidades conforme avança e se aprofunda naquele cenário e no desenvolvimento dos personagens. Chama logo a atenção a diferença entre as personalidades dos irmãos Elric. Enquanto Edward é irascível, teimoso e irritadiço, Alphonse se mostra mais paciente, emotivo e até um tanto ingênuo. Essas diferenças acrescentam muita cor às interações entre os dois que estão sempre discutindo como resolver da melhor forma os problemas que surgem, e engana-se quem pensa que eles se odeiem por isso. Ao contrário, o laço familiar que os une e o sentimento de fraternidade e prontidão caso um precise se sacrificar pelo outro é muito forte e logo fica evidente.
A arte é ágil, expressiva e objetiva e traz um ar steampunk marcante nos designs das armas e partes mecânicas de alguns personagens. A quadrinização varia conforme as exigências de cada cena, sendo muito competente em transmitir o movimento e a ação nas cenas de luta. Há também muitas gags visuais e a autora faz bastante uso do recurso de super deformed (sd), trazendo leveza e comicidade ao enredo, que num tom geral é bastante fluido e divertido, e sem a incômoda e desnecessária presença de “fanservice”. Não notei quaisquer erros gráficos ou de revisão durante a leitura e a edição segue o padrão habitual dos demais mangás da editora, em papel offset de boa qualidade. Na compra do primeiro volume, de 27 que serão publicados mensalmente pela JBC, os assinantes e clientes de lojas especializadas ganham como brinde especial e limitado uma sobrecapa em papel mais firme que também pode ser retirada e usada como poster.
A aparente simplicidade da trama, ao menos nestes capítulos iniciais, esconde uma certa profundidade ao explorar temas como o conflito entre ciência e religião, técnica e fé. A própria lei da troca equivalente, um dos princípios fundamentais da alquimia neste mundo, é outra que por si só já geraria discussões acaloradas e é o grande motor que impulsiona a aventura dos protagonistas. De fato, a primeira página do mangá já traz de forma explícita o conceito desta lei: “Ensinamentos obtidos sem sofrimentos são desprovidos de valor. Pois as pessoas jamais podem adquirir algo sem sacrifício.” Tal como os irmãos Elric, nem sempre nos damos conta do preço que podemos vir a pagar por cada ato ou decisão que tomamos e aqui vemos que por mais nobres que eles possam ser, não estamos isentos das suas consequências, nada vem de graça ou sem sacrifícios. Assim é a vida e cabe a cada um de nós aprender a lidar diariamente com as consequências das nossas ações.
Este relançamento da JBC é uma ótima oportunidade para quem não pode acompanhar a série anteriormente e para quem, assim como eu, vai conhecer o universo de Fullmetal Alchemist pela primeira vez. É um mangá extremamente divertido, com uma forte pegada cômica, sem apelações (fazia tempos que eu não ria tanto com um primeiro volume!), mas que não deixa também de emocionar o leitor com sua história sobre seguir em frente por aquilo em que acreditamos e pelas pessoas que amamos e se aprofundar em questões mais filosóficas como os limites tênues entre religiosidade, ciência e misticismo. Para quem curte tramas de aventura e fantasia num cenário original, com personagens simpáticos e carismáticos, Fullmetal Alchemist é uma excelente pedida!