Único romance de Sylvia Plath (1932-1963), que se suicidou um mês após sua publicação, A redoma de vidro é um misto de ficção e autobiografia. Como a autora, também a protagonista é depressiva e suicida, embora sua história e personalidade sejam diferentes. Por isso mesmo, o romance é também uma representação simbólica de mulheres de classe média que, na década de 1950, tinham pouco acesso a informações, a rupturas sociais e morais e à liberdade sexual, causando, entre outras coisas, estados de transtorno mental. O tratamento com choques elétricos, recebido por Esther Greenwood, é só uma das faces do problema, ainda atual, de enfrentamento dos distúrbios psiquiátricos.Título: A Redoma de Vidro
Com humor, coloquialidade, ironia e agilidade, acompanhamos a jornada de uma escritora jovem e bonita, convidada a passar um mês como correspondente de uma revista de moda em Nova York, em meio a jantares fúteis, festas de coluna social e amizades fugazes, entre as quais ela se sente inútil e amplamente deslocada. Conhecida como poeta, Sylvia Plath revela-se aqui como uma romancista que faz com que o leitor, como se ele também submetido a uma redoma de vidro, perca o fôlego e se sinta tão aprisionado quanto a própria Esther Greenwood.
Coleção: Folha Grandes Nomes da Literatura # 22
Editora: Folha de S. Paulo
Autor: Sylvia Plath
Tradução: Chico Mattoso
Número de páginas: 240
Gosto de livros e histórias que conseguem me tirar do lugar comum, que me fazem pensar no impensável e que despertam em mim as mais diversas sensações não importando se vão ser as mais nobres, belas e altruístas ou as mais viscerais, sujas e incômodas. Talvez tenha sido por isso que A Redoma de Vidro entrou no meu radar de leituras, logo após ter sido tema de um clube do livro do movimento Leia Mulheres, ainda no ano passado e prometendo render bons debates e reflexões sobre a depressão e outros transtornos psicológicos.
A Redoma de Vidro vai contar a história de vida de Esther Greenwood sobre o seu próprio ponto de vista. Ela, uma jovem de dezenove anos, saída dos subúrbios de Boston e recém formada numa prestigiada universidade para moças, atualmente é correspondente na redação de uma revista de moda em Nova York. Com uma carreira promissora pela frente e intensas atividades sociais que incluem jantares glamourosos e festas da alta classe, preenchendo sua agenda de compromissos noite após noite, ela não imaginaria que logo seria acometida por uma crise emocional que a abalaria profundamente levando-a à internação numa clínica psiquiátrica em seu momento mais crítico.
Embora já carregue essa forte carga depressiva desde o início, o livro e a vida de Esther parecem se dividir em duas partes distintas, sendo a primeira um pouco mais leve do que a segunda, e chega a causar um choque no leitor em como a transição entre elas é feita de forma sutil, quase imperceptível. De repente nos damos conta que Esther não se cuida mais, não toma banho, está apática e alheia para o que acontece ao seu redor, totalmente fechada em sua redoma de vidro e sendo constantemente atormentada por pensamentos suicidas e em alguns momentos colocando-os em prática. Tudo o que ela poderia vir a ser e que nos é apresentado no início do livro, é logo subvertido para um quadro de decadência e ela se vê incapaz de seguir adiante para alcançar quaisquer que fossem seus objetivos primários.
A narrativa vai intercalando o presente da personagem com flashbacks que nos mostram que alguns dos sintomas e questionamentos que ela tem e se faz hoje, já estavam presentes em seu passado, desde a adolescência e a vida no colegial. Fica evidente o contraste entre o que era esperado de Esther pela sociedade, em que as mulheres passavam a conquistar cada vez mais um espaço maior no mercado de trabalho e consequentemente a sua própria independência nos EUA do pós-guerra, e o que era esperado dela pela sua própria família mais conservadora, que queria vê-la bem casada e tendo filhos o quanto antes. Não fica muito claro até que ponto tudo isto contribuiu com o quadro de transtorno da personagem, mas não é difícil supor que essas rápidas mudanças experimentadas nos anos 1950 tenham tido influência e agravado o seu estado. Além disto a perda da oportunidade de emprego, os sucessivos fracassos amorosos, as dúvidas e incertezas naturais de quem acaba de ingressar na vida adulta e a incompreensão daqueles que a cercavam acerca da sua condição são outros fatores determinantes e muito bem explorados neste contexto.
A Redoma de Vidro foi originalmente publicado em 1963 sob o pseudônimo de Victoria Lucas, usado para preservar alguns nomes e lugares, uma vez que o livro é uma espécie de relato autobiográfico de Sylvia Plath, que assim como a sua protagonista também sofria com um grave quadro de depressão. A crise e a internação relatadas no livro encontram paralelo na biografia da autora, que certamente baseou-se em sua própria experiência para narrá-las, emboras muitos outros aspectos das histórias de vida de Sylvia e Esther sejam completamente diferentes. Infelizmente Sylvia Plath cometeu suicídio cerca de um mês após a publicação deste livro e é impossível não lamentar a perda precoce desta talentosa escritora e poetisa. A edição que li é o vigésimo segundo volume da Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura e possui a mesma tradução de Chico Mattoso presente na edição de 2014 da Biblioteca Azul, um selo editorial da editora Globo.
O livro mescla toda essa carga psicológica pesada com um certo humor irônico e ácido, que de certo modo ajuda a aliviar a tensão durante a leitura. Confesso que me identifiquei menos do que esperava com a protagonista e a sua situação, talvez por já conhecer de antemão toda a temática do livro e ter me blindado para encará-lo ou simplesmente por ter escolhido lê-lo num momento mais tranquilo da minha vida. No entanto, é impossível sair incólume duma leitura como esta e não pude deixar de sentir toda a carga emocional que transborda em suas páginas, de respirar o mesmo ar sufocante e viciado de Esther presa em sua própria redoma de vidro, de sentir sua angústia, sua insegurança e partilhar dos seus medos. A narrativa intimista em primeira pessoa e o fato dele ser autobiográfico colaboram ainda mais para potencializar essa atmosfera opressiva com uma sensibilidade e intensidade tal que me deixam sem palavras para descrever. Foi uma leitura extremamente satisfatória, daquelas que dificilmente serão superadas e do tipo que certamente me acompanhará em reflexões e introspecção ainda por um bom tempo.
A Redoma de Vidro é a prova de que em sempre os nossos maiores desafios estarão nas insondáveis fronteiras do universo ou em reinos fantásticos desconhecidos, às vezes, basta apenas olhar para dentro de nós mesmos para encontrá-los. Livros como este propiciam esta visão interna e nos ajudam a enxergar e compreender melhor um pouco dos nossos dramas e medos mais profundos, ao passo que também nos dão um fio de esperança para buscarmos ajuda e apoio nos momentos mais críticos e não ceder às armadilhas sedutoras duma doença tão perversa quanto a depressão. Ler ou não ler é uma escolha individual e não quero soar paternalista, mas pela sua carga angustiante não recomendo a leitura para quem não esteja passando por um bom momento na vida. No mais, A Redoma de Vidro é uma obra prima da Literatura, um desabafo pungente e um alento necessário para reerguer-se, capaz de tocar e incomodar o leitor em seu âmago duma forma única, impressionante e comovente!