BEM-VINDO VIAJANTE! O QUE BUSCA NO MULTIVERSO?

O Fim da Infância

Nos primeiros anos da Guerra Fria, uma raça intelectual e tecnologicamente superior ao homem desce dos céus para governar a Terra. Diferente do que se poderia imaginar, os invasores não pretendem escravizar a humanidade. Ao contrário, eles acabam conduzindo-a a um período de prosperidade jamais visto, em que não mais existem a fome, a marginalidade, as doenças e a guerra. Benevolentes, parecem querer sinceramente o melhor para os seres humanos. Mas os Senhores Supremos têm suas regras: não é permitido a ninguém conhecê-los, e a exploração do espaço está terminantemente proibida. Como afirma seu enigmático líder, "as estrelas não são para os homens". Com muitas conquistas e poucos focos de resistência, a humanidade capitula diante do invasor. O homem abdica de seu dinamismo e poder criativo e deixa de aspirar a qualquer coisa que não o prazer e o entretenimento. O mundo está em paz, mas um indefinível mal-estar ainda assombra os corações humanos. Para aqueles que resistem, torna-se evidente que os Senhores Supremos têm algo a esconder, que têm um objetivo maior. No transcorrer de duzentos anos de história após sua chegada, alguns de seus segredos serão revelados, outros permanecerão ocultos até que a humanidade esteja pronta. Até que uma missão seja cumprida. Até que a raça humana conheça o destino que lhe foi traçado.
Título: O Fim da Eternidade
Autor: Arthur C. Clarke
Editora: Aleph
Lançamento: 2015
Páginas: 224


Quando no auge da tecnologia e da modernidade a humanidade se prepara para finalmente deixar a superfície da Terra e se lançar ao espaço, naves alienígenas imensas e sofisticadas surgem pairando sobre as principais cidades do mundo. De maneira quase instantânea, todos os governos e a sociedade tomam consciência de que o que quer que eles planejem conosco será feito, cabendo a nós apenas aceitar essa nova condição que nos é imposta unilateralmente. Nossa tecnologia bélica mais sofisticada é inútil contra eles e as suas naves. Felizmente, as criaturas apelidadas como os Senhores Supremos nos tomam como seus protegidos, entregamos a eles um pouco da nossa liberdade, enquanto abraçamos um período de paz mundial e duradoura e experimentamos um desenvolvimento em todas as áreas até então nunca visto antes.
A forma como essa invasão é conduzida é no mínimo interessante. Nada de atividades hostis, lases e bombas explodindo nossos principais cartões postais. Os Senhores Supremos pacificamente induzem uma profunda mudança na sociedade como a conhecemos, levando a humanidade a uma verdadeira utopia em que os grandes problemas sociais se resolvem, não há mais guerras, não há fome e todos tem a certeza de que poderão vivenciar toda a sua potencialidade humana se assim o desejarem.
Este é apenas o início d’O Fim da Infância, obra de ficção científica de Arthur C. Clarke, que primeiramente me despertou a curiosidade por sempre ser mencionada como uma crítica mordaz à corrida armamentista entre estadunidenses e soviéticos durante o período da Guerra Fria. Em teoria, uma sociedade livre destes conflitos e portanto sem a necessidade de executar onerosos orçamentos militares teria muito mais recursos para investir no avanço da ciência, da tecnologia e na resolução de graves problemas sociais. Amadureceríamos como sociedade, deixaríamos essa mentalidade infantil e mergulharíamos numa era de progresso e desenvolvimento pleno. Este era o “fim da infância” que eu imaginava, mas o título do livro faz referência a algo muito mais profundo e que só será revelado em suas surpreendentes páginas finais….
O Fim da Infância se divide em três partes: A Terra e os Senhores Supremos, em que narra a chegada dos Senhores Supremos e os primeiros anos da nova organização mundial oriunda disto, com grande enfoque na relação entre o secretário geral da ONU, Stormgren e o Senhor Supremo Karellen. A segunda parte, A Era de Ouro, já mostra a humanidade vivendo plenamente a utopia, habituada a constante presença dos Senhores Supremos, os graus de felicidade e desenvolvimento em todos os campos são os mais altos de toda a história. Na terceira parte, A Última Geração, são revelados os verdadeiros propósitos dos Senhores Supremos. É a parte mais filosófica e catártica do livro e conduz ao derradeiro desfecho, que tal como o de "2001: Uma Odisseia no Espaço", é perturbador.
Apesar de datado em alguns aspectos e conceitos, o Fim da Infância ainda conserva excelentes questionamentos que vão desde a forma como encaramos nossa própria relevância num Universo infinito no tempo e no espaço até coisas mais triviais mas vistas aqui sob uma ótica totalmente nova e surpreendente como o misticismo, a submissão, a curiosidade, a religião e as utopias que almejamos para nós mesmos.
Os personagens não são tão marcantes pois o foco da história é o desenrolar dos eventos, as consequências da chegada dos Senhores Supremos ao longo dos cento e cinquenta anos em que permanecem como "zeladores da humanidade". Mesmo assim você fica curioso com o que vai acontecer com cada um deles tamanha é a capacidade de Clarke em dar verossimilhança a este cenário. Um deles em especial será os nossos olhos, a testemunha que nos levará a conhecer o grande mistério por trás dos Senhores Supremos, quem são e porque eles fazem o que fazem.
Esta edição da Aleph, além de um prefácio do autor, ainda trás dois extras: o conto “Anjo da Guarda” de 1950 que deu origem à Parte Um de O Fim da Infância e uma versão alternativa do primeiro capítulo reescrita por Clarke em 1989 atualizando-o ao contexto político daquela época.
É sem dúvida alguma uma obra memorável e impactante. Seu desfecho foi capaz de me deixar incomodado e reflexivo por horas. Clarke não se limita apenas a escrever uma história de ficção científica mas também explora e expande as possibilidades do gênero, subvertendo clichês e criando uma trama única, com forte viés filosófico, que leva o seu leitor a provar a mais doce das utopias e a mais amarga das perdas. Vale muito a leitura!