BEM-VINDO VIAJANTE! O QUE BUSCA NO MULTIVERSO?

A Bela e a Adormecida






Era o reino mais próximo ao da rainha, em linha reta, como voa o corvo, mas nem os corvos voavam até lá. Você pode achar que conhece esta história. Uma jovem rainha está prestes a se casar. Há anões bons, corajosos e valentes; um castelo envolto em espinhos; e uma princesa enfeitiçada por uma bruxa, segundo dizem os boatos, em um sono eterno. Mas aqui não há ninguém esperando que apareça um nobre príncipe em seu fiel cavalo. Este conto de fadas é tecido com um fio de magia negra, que vira e revira, brilha e reflete. Uma rainha pode acabar se revelando uma heroína, se uma princesa precisar ser salva.                                                                                                                                                                                                    
Título: A Bela e a Adormecida
Editora: Rocco Jovens Leitores
Ano: 2015
Autor: Neil Gaiman - Ilustrador: Chris Riddell
Número de páginas: 72



Muito antes de serem reunidos em famosas coletâneas por escritores e acadêmicos como os Irmãos Grimm e o francês Charles Perrault, os contos de fadas já entretiam platéias das mais diversas idades, perpetuando-se na cultura popular por meio de uma longa tradição oral. O hábito de contar e recontar histórias propiciou inúmeras versões dos contos de fadas ao longo de séculos. E é seguindo e buscando inspiração nesta tradição que Neil Gaiman nos brinda com o seu A Bela e a Adormecida, que mescla elementos clássicos tanto de “A Bela Adormecida” quanto de “Branca de Neve”.
Esta não é a primeira vez que falo de uma releitura dum conto de fadas por Neil Gaiman e se você acompanha o Multiverso X provavelmente vai se lembrar de João e Maria e é provável também que se lembre de que a minha principal crítica quanto a ela tenha sido a falta de mais da criatividade do autor que eu tanto elogiei em resenhas de outras de suas obras tais como Lugar Nenhum e Os Filhos de Anansi. Pois bem, em A Bela e A Adormecida Gaiman superou minhas expectativas trazendo muito de sua criatividade numa história nova, autêntica e surpreendente!
A história se passa em dois reinos vizinhos cuja fronteira é uma alta cordilheira, tão alta que é intransponível. Apenas os anões com sua predileção natural por cavernas e pelo subterrâneo conseguem cruzá-la e começamos com eles, em busca do mais belo tecido para compor o vestido de casamento da rainha, a Bela que está para se casar em poucos dias. Ao chegarem do outro lado, eles param pra descansar numa taverna onde ouvem relatos estranhos sobre um misterioso fenômeno e uma antiga lenda sobre sono. Aparentemente ao norte, uma onda de sono está fazendo com que todos, pessoas e animais, adormeçam profundamente, e a causa seria um antigo feitiço lançado contra uma jovem princesa, a Adormecida, por uma bruxa má e que agora está se espalhando por toda a parte. Eles voltam e relatam isto a Rainha, que decide adiar o próprio casamento e fazer algo a respeito, antes que a onda de sono chegue a seu reino e seja tarde demais para todos...
A protagonista é sem dúvida a personagem mais interessante. Ela é forte, decidida e como raramente vemos em livros e histórias do gênero, não permite que ninguém faça um trabalho que é seu, impondo sua própria vontade e tomando a iniciativa quando surge um perigo. Os elogios feitos com relação ao protagonismo e a representatividade feminina nesta obra não são exagerados. Diria até que é um bom exemplo de como construir uma personagem feminina marcante e cujo papel esteja longe de ser o do já tão batido clichê da “mocinha indefesa à espera de um herói”.
O autor foi muito feliz deixando que sua personagem fosse capaz de fazer suas próprias escolhas, aliás este é um dos grandes temas do livro, porque não podemos virar a mesa e nos revoltar contra um destino que nos é imposto mas que não nos fará feliz? No caso da protagonista suas dúvidas residiam num futuro casamento. Ela não queria abrir mão da própria liberdade e abraçou com todas as forças a primeira oportunidade de mudar o próprio destino partindo nessa aventura rumo à outro reino e à maldição mas julgando fazer o que era certo, tanto para si quanto para seu próprio reino.
Neil Gaiman não entrega tudo de mão beijada e deixa muitos detalhes subentendidos em seu texto. Como acontece em outros livros do autor, poucos são os personagens que tem nomes próprios aqui, inclusive as protagonistas e a grande vilã. Mas não é difícil deduzir quem é quem na trama e nem quais eventos ele referência acerca do passado delas durante a leitura. A trama fantasiosa, repleta de magia e mistério prende, encanta e reserva surpresas para qualquer um que já conheça as versões clássicas, que aliás agora parecem muito obsoletas e antiquadas.
O livro é totalmente ilustrado por Cris Riddell cuja arte também aparece em outras obras de Neil Gaiman tais como “Coraline”, “O Livro do Cemitério” e no vindouro “Felizmente, o Leite…”. A arte de Riddell é extremamente detalhada, com muitas hachuras finas compondo as sombras e os cenários. As únicas cores presentes na obra são o preto, o branco e o dourado, o que ajuda a compor uma atmosfera de sofisticação e realeza. Destaque para as páginas duplas que sempre causam grande impacto visual ao serem viradas após a leitura da última frase da página anterior.
A edição brasileira conta com uma excelente e fluida tradução de Renata Pettengill e foi publicada em novembro de 2015 pelo selo Rocco Jovens Leitores. Vale ressaltar que ela é totalmente fiel ao original da Bloomsbury, o que torna esse exemplar sem dúvida alguma um dos mais belos de qualquer coleção. Desde a jacket em papel vegetal semitransparente, que como um véu parece recobrir a Adormecida num primeiro olhar, passando pela capa-dura fosca em preto e branco até os pequenos detalhes internos, em papel couché brilhante tais como as letras capitulares, os números e as bordas das páginas decorados com arranjos florais e itens como o fuso de fiar, caveiras e teias de aranha, tudo está harmoniosamente encaixado para o deleite do leitor mais exigente.