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Antologia Poética de Florbela Espanca



Florbela Espanca é considerada uma das maiores escritoras de Portugal. Sua temática nostálgica, exageros e máscaras frequentemente compostas com o auxílio oportuno de um pseudo-biografismo tornam sua obra um verdadeiro deleite. A edição traz a obra poética completa da autora, incluindo Livro de Mágoas (1919), Livro de Sóror Saudade (1923), Charneca em Flor (1931), Reliquiae (sonetos inéditos acrescentados na segunda edição de Charneca em Flor), Trocando olhares (1915–1917) e O livro d’Ele (1915–1917).


Título: Antologia Poética de Florbela Espanca
Autora: Florbela Espanca
Editora: Martin Claret
Ano: 2015 / Número de páginas: 298

“Os males de Anto toda a gente os sabe!
Os meus... ninguém... A minha Dor não cabe
Nos cem milhões de versos que eu fizera!...” - trecho de Impossível
Florbela Espanca me foi apresentada por acaso, através dum episódio do podcast Covil de Livros. Fiquei encantado com a sua biografia marcada por tragédia e conflito e pela intensidade de alguns de seus versos declamados e comentados durante o programa. De forte teor emocional, sua poesia é conhecida por um estilo único e peculiar, onde sofrimento, solidão e desencanto se aliam ao mais genuíno desejo de felicidade.
"Ah! esse verso imenso de ansiedade,
Esse verso de amor que te fizesse
Ser eterno por toda a Eternidade!..." - trecho de Escrava
Florbela foi uma poetisa e escritora portuguesa, nascida na vila de Viçosa em Alentejo, Portugal. Foi educada pela madrasta e pelo pai, João Maria, que só a reconheceu como filha anos depois de sua morte. Estudou no Liceu, em Évora, onde concluiu o curso de Letras e em 1917, tornou-se a primeira mulher a ingressar no curso de Direito da Universidade de Lisboa. Seu primeiro poema, “A Vida e a Morte” foi escrito em 1903. De vida conturbada ela se casou duas vezes após divorciar-se do primeiro marido e sofreu dois abortos espontâneos que a deixaram doente por um longo período. Emocionalmente abalada tanto pela rejeição do pai, quanto pelos seguidos relacionamentos problemáticos e complicações da gravidez, ela sofre mais uma grande perda, a do irmão num acidente aéreo, o que a leva a sucumbir e a cometer suicídio com o uso de barbitúricos, exatamente no dia de seu aniversário e às vésperas da publicação daquela que é considerada a sua obra prima “Charneca em Flor”.
"E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!" - trecho do soneto Lágrimas Ocultas
Embora deva sua fama e reconhecimento sobretudo a alta qualidade técnica de seus sonetos e à sua poesia como um todo, Florbela era uma autora multifacetada e também escreveu contos, um diários e epístolas, traduziu romances e colaborou para diversos jornais e revistas em sua curta, mas intensa, passagem pela vida. A poetisa não se ligou claramente a nenhum movimento literário, mas o caráter confessional, sentimental e a recorrência da temática amorosa em sua obra a colocam mais próxima a certos poetas neo-românticos de fim de século do que dos modernistas de sua geração, aos quais se manteve alheia.
"Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!
Gritem ao mundo inteiro esta amargura,
Digam isto que sinto que eu não posso!!…" - trecho do soneto Neurastenia
Todos os ingredientes inerentes ao amor serviram de matéria-prima para a sua poesia na qual são comuns e recorrentes os temas da solidão, saudade, sedução, desencanto, mágoa e morte, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade, glória e plenitude platônicos, alcançáveis apenas no absoluto e no infinito. O amor expresso sem limites e moderação encontra-se presente no cerne de quase todas as suas composições, mesmo nos sonetos de sentido patriótico, como é o caso de “No Meu Alentejo”, no qual ela enaltece a beleza das paisagens de sua terra natal. Sua linguagem marcadamente pessoal e veementemente passional é de um sensualismo muitas vezes erótico e em cujo centro encontra-se o eu-lírico sedento da poetisa convulsionando em suas frustrações e anseios.
"E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar..." - trecho do soneto Amar!
A Antologia Poética publicada numa edição especial e esmerada em capa dura pela Martin Claret, reúne todo a obra de Florbela publicada anteriormente nos curtos volumes de "Livro de Mágoas", "Livro Sóror Saudade", "Charneca em Flor", "Reliquiae", "Trocando Olhares" e "O Livro D’ele". Delas, apenas os dois primeiros foram publicados originalmente ainda em vida da autora. Os últimos são trabalhos póstumos ou compilações dos primeiros poemas de Florbela. A edição completa conta ainda com uma Introdução de Renata Soares Junqueira, no qual ela discorre sobre a biografia e sobre aspectos técnicos da obra de Florbela.
"Eu atirei minh' alma como um rito
Às trevas desse livro, assim, ó louca!
A noite atira sóis ao infinito!..." - trecho do soneto ?!
Embora eu tenha delirado e me deleitado com todo o sentimentalismo e a técnica de Florbela, me faltam palavras adequadas para expressar o quão gratificante a leitura da sua obra foi para mim. Como é difícil falar de poesia! Atribuo isto ao alto grau de subjetividade com o qual nos conectamos com esta forma literária. Diferentemente dum romance ou conto, em que há um enredo comum que será compreendido e compartilhado da mesma forma por quase todos, na poesia há algo único e diferente para cada um a cada leitura. Há as suas vivências e sentimentos, leitor, em ressonância naquele instante único em que seus olhos percorrem as palavras com as vivências e sentimentos expressos nas rimas, versos e forma escolhidos pelo artista em seu momento de criação. Os sonetos de Florbela são belos, dolorosos e pungentes e me admira a sensação de completude e compreensão que me trouxeram à tona. Ouso dizer que não há nada que eu já tenha sentido na vida que eles não tenham expressado de forma tão autêntica, intensa e palpável. Ler poesia, pra mim, é uma forma de me reencontrar, e posso dizer que me encontrei nos versos de Florbela.
"Versos! Versos! Sei lá o que são versos…
Meus soluços de dor que andam dispersos
Por este grande amor em que não crês!..." - trecho do soneto Versos