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Homens Sem Mulheres

Murakami é um autor capaz de criar universos próprios, que se desdobram em romances de fôlego e personagens cativantes. Mas ele é também um excelente contista, e sua produção mais recente está reunida neste volume: sete histórias que tratam de relações amorosas e trazem o estilo único do autor.

São contos sobre o isolamento e a solidão que permeiam as relações amorosas: homens que perderam uma mulher depois de um relacionamento marcado por mal-entendidos. No entanto, as verdadeiras protagonistas destas histórias — cheias de referências à música, a Kafka, às Mil e uma noites e, no caso do título, a Hemingway — são as mulheres, que misteriosamente invadem a vida dos homens e desaparecem, deixando uma marca inesquecível na vida daqueles que amam.
Título: Homens Sem Mulheres
Título Original: Onna no inai otokotachi
Autor: Haruki Murakami
Tradução: Eunice Suenaga
Editora: Alfaguara
Ano: 2015 / Páginas: 240


Tão logo conheci a prosa de Murakami no romance O Incolor Tsukuro Tazaki e Seus Anos de Peregrinação me propus a ler também Homens Sem Mulheres, uma coletânea de contos cujo título é inspirada numa coletânea homônima de Ernest Hemingway, sendo esta primeira de Murakami a ser publicada no Brasil.
Homens Sem Mulheres é composto de sete histórias independentes e não lineares nas quais os protagonistas são todos homens que por alguma razão se encontram fragilizados por dramas pessoais relacionadas ao sexo feminino; seja abandono, por perda com a morte, por desentendimentos amorosos ou até mesmo com a simples ausência do feminino em suas vidas. A seguir comento brevemente as sinopses de cada um deles:
Em "Drive my car", um ator viúvo de meia idade contrata uma motorista particular pois está com sua carteira suspensa. Aos poucos os dois vão se aproximando e se conhecendo melhor, até que o ator decide confessar à motorista que após o falecimento de sua mulher ele decidiu se tornar amigo do último amante dela para compreender porquê ele ers traído e de certo modo acaba por consolar o luto deste amante.
Em “Yesterday”, cujo título é uma referência à famosa música dos Beatles, o narrador relembra da amizade que teve com um rapaz na juventude e de quando este amigo lhe pediu para que tivesse um encontro romântico com a namorada dele. A proposta inusitada não era uma espécie de teste, mas sim um estranho exercício de desapego. Anos depois o narrador reencontra essa mesma garota e eles falam deste amigo, ainda sem compreendê-lo.
No conto “Órgão Independente” um escritor relembra de seu amigo, o dr. Tokai, um cirurgião plástico bem sucedido e um solteirão convicto, que mantinha diversos encontros com mulheres casadas e evitava envolver-se emocionalmente, de modo que nunca havia se apaixonado verdadeiramente por nenhuma delas. Tudo muda quando Tokai acaba se apaixonando perdidamente, mas é rejeitado, e o cirurgião literalmente passa a definhar de amor.
“Sherazade” conta a história de um homem cujo único contato com o mundo exterior é através de sua faxineira que uma vez por semana lhe visita. Ele sequer sabe o verdadeiro nome dela, mas além do vínculo de trabalho ambos mantém um relacionamento, e tal como a personagem das Mil e Uma Noites, ela acaba lhe contando histórias fascinantes do seu passado nestas visitas.
“Kino” tem fortes tons de surrealismo e conta a história do homem que dá título ao conto. Após ser traído e abandonado por sua mulher e perder o emprego, Kino decide abrir um bar. Por influência de um cliente misterioso, que vai lá apenas para ler tranquilamente, ele decide partir numa viagem de autoconhecimento, sobretudo após os eventos estranhos que acontecem quando ele se envolve com uma mulher comprometida cujas costas apresentam estranhas marcas de queimaduras.
Em “Sansa Apaixonado” Murakami faz uma inversão daquilo que Kafka narra em seu famoso livro A Metamorfose. Aqui é um inseto que acorda metamorfoseado na forma de um homem, em uma casa onde não sabe de nada e mal entende o funcionamento do próprio e novo corpo. Logo pela manhã ele recebe a vista de uma chaveira corcunda, que pelos trejeitos peculiares de se movimentar provoca em Sansa uma súbita atração física e o homem/inseto se descobre apaixonado. Considero este o melhor conto da coletânea por sair da perspectiva do mundo comum e de forma surpreendente flertar com o bizarro.
O livro se encerra com o conto homônimo "Homens sem mulheres", no qual um sujeito é acordado na madrugada por um telefonema do marido de uma ex-namorada que ele teve nos tempos de colégio, mas com quem não mantinha contato há décadas. A única informação que esse marido dá a ele é que essa namorada tinha acabado de cometer suicídio, notícia que leva o sujeito a pensar nos motivos que levam as mulheres a se afastarem de homens como ele e como os outros do livro. É o conto que faz o arremate final deste que é o elo em comum com todos os anteriores.
Homens Sem Mulheres é uma ótima amostra daquilo que Murakami entrega também em seus romances, mas com a concisão adequada aos contos. Seus personagens encontram-se em estado de inquietação e fazem reflexões universais, vivendo dramas intensos com os quais facilmente encontramos paralelos e até nos identificamos. A isso soma-se uma habilidade ímpar do escritor em usar referências musicais e literárias em suas composições e também a sua habilidade de passear com desenvoltura pelas esferas do eu, do real e do surreal em seu texto. Não houve um em que eu não notasse qualidades literárias excepcionais ou me visse instigado com a trama, os mistérios e a angústia dos personagens ou ainda que ficasse pensando em como tais histórias prosseguiriam após a conclusão, dado que muitas não se encerram com o último ponto final.
Se há algo para reclamar seria a falta duma perspectiva feminina real daquelas situações, as mulheres ainda que sejam importantes e se façam notar pela ausência na vida daqueles homens são pouco trabalhadas, e a voz narrativa, predominantemente masculina por vezes deixa transparecer um machismo que de fato incomoda. Ainda assim, e ainda que os homens estejam em primeiro plano, eles não são mais do que reféns dos desejos das mulheres ausentes em suas vidas, são vítimas de si mesmos imersos no drama da impossibilidade masculina de compreendê-las, são incompletos, falhos e por isso mesmo profundamente humanos.
Não chega a ser um livro indispensável, mas é uma boa pedida para quem quer conhecer o autor, para quem quer uma leitura leve, sem pecar em qualidade, ou para quem se interessa por dramas situacionais contemporâneos, sobretudo aqueles que lidam com a solidão urbana, a ausência do feminino, o medo de amar e a constatação da própria imaturidade afetiva. Recomendo!