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Felizmente, o Leite

Uma prosaica ida até o mercado se transforma numa incrível aventura no mais recente livro infantil do celebrado escritor britânico Neil Gaiman, que coloca um estranho objeto prateado no caminho de um pai que só queria comprar um pouco de leite para o café da manhã. Aliás, aquele disco prateado gigantesco estacionado em plena rua Marshall, com seres verdes um tanto gosmentos e bastante ranzinzas querendo reformar o (nosso) mundo, é só a primeira de muitas surpresas que esperam pelo zeloso pai de família na história, que inclui ainda viagens no tempo e no espaço num balão, um dinossauro inventor, navios piratas, vulcões e outras maluquices. Será que o café da manhã das crianças está a salvo? Com ilustrações incríveis de Skottie Young, Felizmente, o leite é uma história de fantasia com uma boa dose de nonsense e o senso de humor peculiar de Neil Gaiman.
Título: Felizmente, o Leite
Título Original: Fortunately, the Milk
Editora: Rocco Jovens Leitores
Autor: Neil Gaiman
Arte: Skottie Young
Tradução: Edmo Suassuna
Ano: 2016 / Número de páginas: 128


Em Felizmente, o Leite, Neil Gaiman, autor que já dispensa apresentações por aqui, mais uma vez mostra do que é capaz nos presenteando com uma aventura hilariante em que um pai de família comum e um pouco atrapalhado quando este vai até a esquina comprar leite para o café da manhã dos filhos e para o seu chá, pois o mesmo havia acabado e ele se esquecera completamente disto mesmo tendo sido alertado por sua esposa quando ela partira numa viagem de trabalho. Nos cálculos das crianças, esta simples ida ao mercado levou umas mil horas e quando finalmente, com o leite, o pai chegou em casa, eles lhe cobram uma explicação para tamanha demora. O pai então lhes conta uma história mirabolante da aventura que fora conseguir trazê-lo são e salvo para casa.
Nela, ele relata ter sido abduzido por um enorme disco voador prateado, com tripulantes verdes gosmentos de outro mundo com um peculiar gosto por decoração, ter encontrado um antigo Deus vulcão chamado Esplod adorado por uma tribo ancestral, além de ter sofrido ataques de vampiros e encontrado uma patrulha galáctica formada por dinossauros enquanto tentava voltar para o presente a bordo do balão/máquina do tempo de Esteg, um cientista estegossauro e assim, numa aventura atrás da outra ele se vê em apuros dos mais inacreditáveis, até que tudo se amarra num desfecho que põe a prova toda a existência, mas felizmente, havia o leite…
O que mais me fascina nas histórias do Gaiman é a facilidade com que ele consegue te transportar para um outro mundo que, de certa forma, está logo ali, bem diante de você, bastando que cruze a porta da descrença e permita se cativar pela fantasia. No papel de personagem-narrador ele faz isso, lhe tirando por alguns instantes do mundo real e te levando a um outro repleto de possibilidades, das mais absurdas e paradoxais, a mágica está aí e às vezes, esse encanto é tudo o que eu espero duma boa história.
Sendo um livro infantil é natural que a história não seja tão complexa quanto um romance, mas esta está longe de ser bobinha e de menosprezar a inteligência dos pequenos, algo que eles, sem dúvida e com toda razão, considerariam uma afronta deplorável. A prova disto está nas próprias crianças personagens que interrompem a história contada pelo pai, dizendo que aquilo nunca poderia ter acontecido daquela forma ou que aquilo é impossível, mas por fim elas se rendem e embarcam na aventura do pai contribuindo com a adição de novos personagens (onde estão os pôneis mágicos?), situações e para o andamento da história e ao fim, se ainda restar alguma dúvida caberá ao pai provar a veracidade ou não da sua narrativa. Assim, Felizmente, o Leite consegue divertir e entreter também os adultos com alguns bons pontos de virada e um excelente humor nonsense calcado na ação desenfreada e sem limites que me remeteu ora à Alice No País das Maravilhas de Lewis Carroll e ora ao Guia do Mochileiro das Galáxias de Douglas Adams.
Vale destacar ainda a forma como Neil Gaiman trabalha um arranjo familiar não tradicional, colocando desta forma em foco e com a naturalidade devida a questão dos papéis sociais e de gênero. A mãe das crianças é mencionada rapidamente no início e está trabalhando numa conferência apresentando um estudo sobre lagartos e, assim, cabe ao pai cuidar deles e da casa, coisa para a qual ele demonstra não estar totalmente preparado. Me pergunto quantos estariam. O cientista estegossauro Esteg é o melhor exemplo de uma figura materna ao mesmo tempo tradicional e moderna na narrativa, mas acho que é melhor que vocês mesmos descubram o porquê lendo.
Felizmente, o Leite possui duas versões cuja diferença está no ilustrador escolhido. Uma é ilustrada por Chris Riddell e permanece inédita em português, a outra versão, traduzida por Edmo Suassuna e publicada no Brasil com um projeto gráfico bem cuidado pela editora Rocco é ilustrada por Skottie Young. A parceria entre autor e ilustrador é extraordinária, texto e imagens combinam-se de forma harmoniosa e lúdica, pedindo um olhar mais atento aos detalhes e easter eggs escondidos na arte cartunesca e altamente estilizada de Young, cujo portfólio inclui a adaptação de O Mágico de Oz para a Marvel Comics e diversos outros trabalhos para gigantes da indústria do entretenimento.
Caso você já seja fã dos autores, este é o livro ideal para também introduzir os pequenos nas criações de Gaiman e Young. E se você tem filhos, leia para eles! Coloque-se no papel do protagonista, recrie e conte para eles a fantástica jornada para felizmente, trazer-lhes o leite. Enfim, é leitura ideal e recomendada a todos para relaxar, presentear e ler para as crianças que certamente vão se maravilhar!