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O Rei do Inverno




O Rei do Inverno conta a mais fiel história de Artur, sem os exageros míticos de outras publicações. A partir de fatos, este romance genial retrata o maior de todos os heróis como um poderoso guerreiro britânico, que luta contra os saxões para manter unida a Britânia, no século V, após a saída dos romanos. "O livro traz religião, política, traição, tudo o que mais me interessa," explica Cornwell, que usa a voz ficcional do soldado raso Derfel para ilustrar a vida de Artur. O valoroso soldado cresce dentro do exército do rei e dentro da narrativa de Corwell até se tornar o melhor amigo e conselheiro de Artur na paz e na guerra.                                                                                                                                           
Título: O Rei do Inverno
Série: As Crônicas de Artur - Livro 1
Editora: Record

Autor: Bernard Cornwell
Número de páginas: 546


Não são poucas as obras que tratam do mito arturiano e é muito provável que você já o conheça de inúmeras referências e menções. Nomes de lugares como Camelot e Avalon, de itens como a espada Excalibur e o cálice do Santo Graal e, claro, os de personagens como Guinevere, Merlin, Morgana, Lancelot e o próprio Rei Artur permeiam nosso imaginário sem que nem nos demos conta de onde tais referências possam ter vindo. Como muitos, creio que meu primeiro contato com a lenda, ainda criança, veio com a animação da Disney de 1963, “A Espada Era a Lei” e com o filme “Excalibur”, de 1981 dirigido por John Boorman. Mas honestamente lembro muito poucas coisas destas obras além dos nomes citados acima e de detalhes vagos como uma sequência de transformações mágicas hilária entre Merlin e uma bruxa na animação e da ópera O Fortuna como parte da trilha sonora do filme. Talvez devesse reassistí-los…
Mais recentemente fui atrás de livros para conhecer a história mais a fundo e por completo, e me surpreendi com a quantidade de versões disponíveis nas livrarias. Nessa busca também descobri que animação da Disney foi inspirada na pentalogia de livros “O Único e Eterno Rei” de T. H. White que assim como o filme de John Boorman bebeu de fontes ainda mais antigas, no caso, o texto clássico de Thomas Malory, “Le Morte d'Arthur” escrito e publicado ao fim da Idade Média por volta de 1485. Mas comecei minha jornada com obras mais acessíveis como a trilogia “As Brumas de Avalon” de Marion Zimmer Bradley e os versos aliterantes inacabados de J. R. R. Tolkien em sua versão poética para “A Queda de Artur” até por fim me deparar com a muito elogiada trilogia “As Crônicas de Artur” de Bernard Cornwell, cujo primeiro livro, “O Rei do Inverno” é tema desta resenha.
Cornwell é reconhecido pela fidelidade histórica que tenta imprimir em suas obras que quase sempre tratam de conflitos militares importantes aos olhos de um personagem diretamente imerso neles. Com relação ao mito arturiano temos um problema visto que nem os historiadores chegaram a um consenso sobre a existência factual de tal homem. Os registros escritos que dispomos são muito posteriores a época das quais as lendas difundidas oralmente por séculos relatam. Como é dito num posfácio do próprio autor, ele tomou as liberdades que julgou convenientes para tornar a história o mais fidedigna possível da provável época em que tais fatos ocorreram e onde um homem, senão o próprio Artur das lendas, teria vivido: a Britânia por volta do século V.
Em O Rei do Inverno a história nos é contada pelo padre Derfel, que antes de se converter ao cristianismo serviu como cavaleiro e batalhou ao lado de Artur. Atualmente vivendo num mosteiro, ele registra a história de Artur, e também a sua, por encomenda da rainha Igraine, enquanto diz estar trabalhando numa tradução para a língua saxã do Evangelho bíblico uma vez que outras autoridades como o bispo Sansum gostariam de vê-las esquecidas para sempre. Podemos relacionar essa escolha narrativa diretamente com a forma como o mito foi preservado e pode se propagar e se manter vivo por tanto tempo.
E assim, por meio das memórias de Derfel, nos é narrado desde o nascimento de Mordred, filho de Uther Pendragon e herdeiro do trono da Britânia, abrangendo desde a infância do próprio narrador em Ynys Wydryn, o reino de Merlin, até a ascensão de Artur ao poder, mesmo que ele não pudesse assumir o trono diretamente pois era filho bastardo de Uther, e as chegadas de Guinevere, Galahad e Lancelot. Isto sem citar o conflito religioso de fundo entre o druidismo nativo e o cristianismo romano além das muitas batalhas que já pululavam na região tanto entre os invasores saxões vindos do norte e entre os próprios bretões e seus reinos sempre às voltas com intrigas e escaramuças militares.
Aliás essas batalhas são o ponto forte do livro! Cornwell detalha desde as estratégias de batalha, como as investidas com cavalos e as emocionantes paredes de escudos, os equipamentos, espadas, escudos e armaduras e os protocolos de guerra, como sons de comando, rituais religiosos e a troca de ofensas entre os lados. O livro vai numa crescente delas até culminar com um grande embate climático nas cinquenta últimas páginas. E mesmo quando não está narrando um combate, o livro fornece uma visão incrivelmente acurada do modo de vida naquela época, abrangendo detalhes do cotidiano, da cultura e religião. Há a descrição do próprio processo de tratamento do couro no qual Derfel agora registra sua história com tinta e pena.
Outro ponto que me chamou a atenção foram os personagens e as suas motivações, quase sempre contrárias ao senso comum e em alguns casos totalmente opostas ao visto em outras obras. A começar de sua majestade, Artur, que não é tão nobre quanto se espera e é um homem tão falível quanto qualquer outro. Merlin é um grande sábio e está focado em restaurar a antiga religião na Britânia contudo não há nele o altruísmo e a benevolência pueril das suas outras contrapartes de modo que ele sabe muito bem tirar proveito de seu poder e influência. Guinevere tem uma personalidade ardil e sabe muito bem tirar vantagem da sua beleza. E Lancelot? Ah… este eu nem sei o que dizer! Mas a personagem mais interessante e curiosa sem dúvida é Nimue, a sacerdotisa de Avalon e esposa de Merlin que crescera com Derfel usa seu poder e conhecimentos druídicos para propiciar algumas das cenas mais memoráveis de todo o livro inclusive nos combates nos quais é a responsável por derramar as bençãos dos deuses aos seus aliados e as maldições mais temíveis aos exércitos inimigos.
O livro conclui de forma empolgante e deixa vários plots para serem explorados e resolvidos em suas sequências, O Inimigo de Deus e Excalibur, de modo que ao terminá-lo já me convenci de que preciso lê-las o quanto antes. Cornwell é dono de uma escrita crua e visceral, que não busca embelezar a realidade embora seja possível sim notar algo tão cativante quanto emergindo da imundície, do sangue e suor, e das dificuldades experimentadas pelos seus personagens em sua narrativa. Talvez neste ponto o livro desagrade alguns leitores, e recomendo não esperar por nada idealizado ou platônico demais. Nada a não ser a emoção de estar em meio à parede de escudos e a alegria e o calor das batalhas mais mortais!