Felipe, André e Marcelo gostam de passar madrugadas lendo Creepypastas. Uma noite, os três resolveram ler só mais uma história antes de dormir e, quando Marcelo desaparece, seus amigos são os únicos que desconfiam do sobrenatural.
Título: O Jogo na Caixa de Sapatos
Série: Acordos
Autor: Rafael Peregrino
Editora: Publicação Independente
Ano: 2017 / Páginas 230
Marcelo, Felipe e André são um típico grupo de amigos adolescentes. Eles andam juntos de bicicleta, frequentam a mesma escola, dormem uns nas casas dos outros e reúnem-se sempre para conversar, brincar e se divertir após as aulas e nos fins de semana. Um de seus passatempos favoritos é ler até de madrugada histórias de terror bizarras na internet envolvendo o sobrenatural, as creepypastas.
Este é um termo inglês formado pela junção de “creepy”, arrepiante, com “copypaste”, copiado e colado, uma referência a como as creepypastas se espalham pela internet sendo postadas inúmeras vezes em fóruns, sites e páginas de redes sociais onde viralizam rapidamente. Algumas ainda são acompanhadas de recursos multimídia como imagens e vídeos de modo a ganharem ainda mais autenticidade e com isso serem ainda mais assustadoras. Além do terror e de seus aspecto quase viral, as creepypastas também são notórias por trazerem conteúdos relacionados a produtos da cultura pop principalmente filmes, músicas e videogames. Um gênero bem comum de creepypasta envolve a descoberta de uma nova rom (o software) hackeada de algum jogo famoso que foi modificado para conter aspectos bizarros e que é encontrada por acaso em sites obscuros na internet ou comprada casualmente em vendas de garagem. Nelas, o jogo quase sempre apresenta elementos misteriosos e bizarros que fazem com que ele funcione de maneira bem diferente e muito mais perturbadora que sua versão original, podendo apresentar sangue ou violência extrema e até mesmo estar tomado por alguma força maligna que transforma a vida de quem se atreve a jogá-lo.
E é exatamente com algo do tipo que nosso trio de protagonistas vai se envolver. Ao tomar conhecimento duma destas roms, uma nova versão de Pokémon, eles entram em contato com um vendedor e fecham negócio. Aparentando a mais completa incredulidade que apenas a juventude é capaz de demonstrar, mas muito curiosos para saber se a história que leram era real ou não eles mal pensam duas vezes e colocam o cartucho hackeado no antigo GameBoy de Marcelo e começam a jogar. Como esperado o jogo está bem diferente do que se lembram dos originais de Pokémon e logo eles se veem envolvidos numa missão controlando FARM, o personagem do game, pelo mapa em preto e branco exibido na tela. Contudo o jogo parece ter consciência daquilo que os garotos pensam e falam e passa a interagir com eles de forma sutil, mas extremamente perturbadora através de mensagens na tela. Será apenas a imaginação deles influenciada por anos de leitura de creepypastas, será um mero truque de programação bem pensada para assustar ou há algo verdadeiramente estranho e sobrenatural por trás daquele cartucho? Descobrir isso mudará para sempre a vida de todos eles!
O Jogo na Caixa de Sapatos é o terceiro livro de Rafael Peregrino, autor também de Rose Jack e de Minha Namorada é Headbanger, e é o primeiro livro da série Acordos. Assim como seus personagens, Rafael também é um curioso por creepypastas e a ideia para o livro veio quando ele e alguns amigos liam fascinados e horrorizados algumas dessas histórias nos cantos obscuros da internet numa noite regada a pizza e bebidas na casa de um deles.
No livro, o sobrenatural e a realidade se sobrepõe a todo o instante por intermédio do virtual criando uma atmosfera de estranhamento potencializada pelo medo, tanto pelo corriqueiro quanto pelo desconhecido. Por vezes somos levados a crer que tudo não passa da mais engenhosa peça da imaginação dos garotos e por vezes nos assustamos ao perceber que não, os sumiços são bem reais e as manifestações sobrenaturais, os ferimentos, a dor e o pânico desencadeados por um simples jogo parecem mesmo de fato estar ali!
O tom do livro oscila bastante indo do humor despretensioso típico dos filmes estilo sessão da tarde ou das comédias românticas adolescentes até quase o gore com a visceralidade das descrições de algumas cenas. Essa alternância e o forte contraste entre o início e o meio e o final do livro me deixaram muito apreensivo com a história e instigado com os rumos que tudo tomaria, temi pelos personagens até o instante final e não queria parar de ler ao mesmo tempo em que tinha medo do que poderia acontecer na tela seguinte.
Os personagens protagonistas são ótimos, cada um tem um tipo bem característico e foi uma satisfação conhecê-los ao longo do livro. Garotos no início da adolescência embarcando em sua primeira grande aventura parece ser a definição ideal para eles. São nerds, adoram jogos de computador e de tabuleiros e são curiosos pelo oculto, impossível não me identificar um pouco com cada um deles! Felipe me pareceu a princípio ser o mais medroso deles, mas é impressionante e cativante ver a evolução desse personagem ao longo do livro e ele terminou sendo um dos meus favoritos superando muito mais do que a si mesmo e seus medos iniciais! Ao grupo soma-se ainda a presença de Rebeca, uma garota totalmente fora do padrões, com mais maturidade, uma boa dose de atrevimento e coragem e que partiu cedo de casa para mochilar pelo mundo. É a personagem mais complexa e fascinante do grupo e sua história de vida toca e emociona verdadeiramente!
A escrita de Rafael evoluiu muito em comparação com os seus livros anteriores e fiquei plenamente satisfeito com o que ele constrói e entrega aqui. Suas descrições estão mais acuradas, com alguns lirismos bem próprios, há um humor bem dosado e bem encaixado, seus personagens cativam (mas isso ele faz bem desde o primeiro), os diálogos são fluidos e as descrições das cenas são perturbadoramente reais ao ponto de causar reações em quem lê! Há algumas partes confusas pela agilidade com que as coisas acontecem no final, a impressão é que nem protagonistas, nem narrador dão conta do todo e isso aumenta ainda mais nosso estranhamento com aquilo que está por trás de toda a trama e acredito que tenha sido proposital. Contudo temos algumas respostas e um desfecho muito satisfatório para um primeiro livro, ao mesmo tempo em que outras tantas dúvidas são levantadas e o futuro dos personagens permanece incerto. A continuação da série promete ir mais a fundo no obscuro mundo do ocultismo e já estou curioso para ver mais Acordos sendo feitos e principalmente desfeitos, afinal cheats também são bem vindos!
Rafael brinca com diversas referências em seu texto, dos games aos casos sobrenaturais que infestam as lendas urbanas e enchem a internet. Misticismo, ocultismo, pactos de sangue, conhecer o nome para ter poder e rituais de proteção e invocação são só alguns deles e como não poderia deixar de ser dado o nome da série de livros: acordos entre humanos e entidades sobrenaturais! Foi uma ótima surpresa encontrar também referências a seus livros anteriores na forma de outros alunos da mesma escola do trio principal.
O Jogo Na Caixa de Sapatos (espero que você nunca o encontre lá) foi uma leitura tensa e muito satisfatória, daquelas de te deixar vidrado e curioso a cada novo acontecimento e capaz de te prender até você terminar tudo! Quem curte um suspense com boas doses de terror sobrenatural vai adorar, mas mais do que isso, este é também um livro sobre a força das grandes amizades e de que tendo amigos somos capazes de feitos grandiosos e dos maiores sacrifícios por eles. Histórias assim nos fazem sorrir espontaneamente e dão esperanças calorosas, mas se a intenção de Rafael era nos brindar com boas doses de susto tal qual ele deve ter vivenciado com seus amigos e fazer nossa espinha gelar com algumas cenas, ele conseguiu! Ainda bem que é tudo ficção, mas nunca deixe de se perguntar, será que é mesmo? Leia, jogue, descubra e divirta-se também!