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Este Lado do Paraíso



Primeiro romance do autor, Este lado do paraíso retrata uma época - a década de 1920 nos Estados Unidos, de prosperidade e modernização - e também um momento de transição na cultura americana: a passagem do ascetismo religioso focado no trabalho para um momento em que se torna possível gozar sem culpa os bens materiais por ele gerados.
Amory Blaine, o protagonista do livro, é um jovem com aspirações literárias e obcecado por prestígio social. Não tem compromisso com qualquer esteio de ordem moral e promove a celebração de um egoísmo aristocrático que, ao menos até 1929, encontrou nos EUA terreno fértil para se desenvolver.
Este livro integra a coleção Portátil. O design dos livros da coleção foi pensado nos mínimos detalhes para que seja especial e inovador, como nas demais edições da Cosac Naify. As capas, com relevo exclusivo, trazem cores fluorescentes em uma disposição geométrica que varia a cada título. Os livros, em brochura, têm uma encadernação desenvolvida especialmente para garantir maior flexibilidade ao folhear. Todo o volume é impresso em munchen; a textura e cor agradáveis deste papel, aliadas ao tamanho e espaçamento das linhas e das letras garantem uma leitura confortável
Título: Este Lado do Paraíso
Título Original: The Side of Paradise
Coleção: Cosac Naify Portátil #22
Editora: Cosac Naify
Autor: F. Scott Fitzgerald
Tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura
Ano: 2013 / Páginas: 416


Confesso que ler Fitzgerald é um dos meus maiores prazeres. Desde que descobri o autor não canso de me encantar com o brilhantismo e a contundência dos seus textos. Por trás de tramas simples, envolvendo pessoas não tão admiráveis pela índole ele nos provoca e inquieta ao expor em palavras o âmago da mais pura vaidade e futilidade e faz isso duma forma tão sutil que quase nem percebemos até ser tarde demais e nos vermos também um pouco espelhados em seus personagens.
Este Lado do Paraíso é o primeiro romance de Fitzgerald, é o livro que lhe abriu as portas para uma carreira de sucesso como escritor e o transformou instantaneamente numa celebridade, o que também possibilitou que ele obtivesse a mão de Zelda Sayre com quem logo se casou.
A trama de Este Lado do Paraíso, cujo título é trecho de uma epígrafe de Rupert Brooke é centrada em Amory Blaine e como é comum em romances de formação acompanhamos a história de vida deste personagem desde a infância até a maturidade, enquanto vivenciamos junto a ele os momentos mais marcantes e significativos de sua biografia. Amory é filho de uma família abastada e recebeu uma educação quase aristocrática da mãe, Beatrice, que o mimava desde sempre. Amory cresceu com a mais plena convicção de seu potencial, de sua importância e relevância e seus maiores anseios eram sempre os de ser notado, de ter seu talento inato e brilho estupendos reconhecidos por todos. Ele era de fato muito bonito, inteligente, extrovertido e rico, o que poderia dar errado?
Na juventude fora admitido em Princeton, uma das mais prestigiadas Universidades do País, mas não bastava simplesmente estar lá, era preciso ser admirado, notado e invejado pelos colegas. Com um faro impecável para os dispositivos de distinção social ele buscou ingressar e ser aceito entre os diversos clubes que compunham o corpo estudantil e tendo aspirações literárias passou a colaborar para uma revista especializada. Também tornou-se um atleta, entrando para o time de futebol americano da Universidade, mas devido a uma lesão teve que se afastar precocemente do esporte. Tudo isso com o único fim de ascender na hierarquia do prestígio.
Amory também apaixonou-se e desiludiu-se várias vezes em sua vida, mas nenhum relacionamento lhe afetou tanto quanto o que viria a ter com Rosalind a quem amava com muita intensidade, mas que o trocou por outro por um motivo egoísta e fútil, ainda que também o amasse verdadeiramente. Este é apenas um, mas há no romance vários momentos de quebra e desconstrução da personalidade egocêntrica de seu protagonista. Fica claro o quanto Amory é alguém perturbado por seus próprios anseios. Toda a sua história de vida é também uma história de renúncia, de perdas e sobretudo de desilusões, consigo, com seu círculo social, com seus amores e com o mundo em si. Vamos da soberba inicial à penúria, do esplendor fútil à sarjeta, testemunhamos o lento desmoronar de um projeto de vida tão bem definido na juventude até a mais completa ruína com o peso do destino.
Amory é um personagem que imediatamente desperta nossa antipatia, mimado desde a infância ele é soberbo, arrogante e egocêntrico. De início não percebemos nada de nobre em sua conduta e pensamentos e esse contato com sua faceta mais mesquinha é também o que nos faz encará-lo com um pouco mais de crítica e seriedade. Ele apenas é o que é e não se envergonha disso, ao contrário, orgulha-se e muito. A nós, seus defeitos são tão evidentes que de certa forma nos vemos refletidos neles, talvez por termos ciência de nossas próprias limitações num rápido exercício de autocrítica. Mas conforme a narrativa avança, criamos um forte laço de intimidade com o personagem, nos afeiçoamos a ele e conforme vemos infortúnios e as desilusões pelas quais ele passa nos sentimos ora vingados e ora aflitos pois Amory alcança sempre bem menos do que almeja em todas as esferas de sua vida, a universidade, a literatura, os relacionamentos, os negócios que herda da família, tudo parece desmoronar e se esvair rapidamente com o tempo e a maturidade lhe chega a duras penas.
Ao comparar o personagem do início com o final percebemos o quanto ele mudou sem entretanto deixar de ser a si mesmo, mas abandonando aos poucos as várias personas com as quais se revestia, os vários personagens que tentou ser com autêntica convicção e não foi. Perceber sua inquietação final ao fazer um balanço de tudo que almejava viver e conquistar e não viveu, e muito pouco conquistou nos comove e entristece. A Amory o único consolo que resta, em suas próprias palavras “medíocre”, é o de se conhecer e isso é tudo.
Estruturalmente o livro se divide em duas grandes partes separadas por um curto Interlúdio que demarca os anos de conflito da Primeira Guerra Mundial. À narrativa romanceada principal somam-se inúmeras outras formas textuais de modo que ela é permeada por trechos de cartas, poemas e até uma peça teatral, forma brilhante na qual é mostrado o encontro de Amory e Rosalind, um dos vários, e talvez o seu grande amor. Em português se encontram disponíveis duas traduções, a de Brenno da Silveira é a mais antiga e atualmente é publicada pelo selo Best Bolso da editora Record e a mais recente, de 2003, é a de Carlos Eugênio Marcondes de Moura para a Cosac Naify. A edição que li é parte da coleção Portátil desta editora e segue o padrão gráfico dos demais títulos. Exceto por um texto ao final sobre a biografia do autor não traz maiores extras.
Assim como outras obras de Fitzgerald, Este Lado do Paraíso também carrega consigo algumas de suas características mais marcantes. A primeira é a forte presença de elementos autobiográficos na trama, Fitzgerald e Amory têm muito em comum tanto em suas histórias de vida quanto nos traços característicos de suas personalidades. O segundo é ser um retrato histórico e social fiel da própria geração do autor, que viveu dias de verdadeira opulência e extravagância num jovem país que já despontava como grande potência econômica no período entre guerras. Ainda hoje ele é considerado como a melhor representação na literatura do sistema de clubes e irmandades das universidades americanas por meio do qual os seus membros buscam galgar prestígio e reconhecimento.
Este Lado do Paraíso essencialmente é um livro sobre aquilo que poderia ter sido e não foi, é o retrato da vaidade de toda uma geração e também reflexo da vida de seu autor. Expectativas irreais, sonhos impossíveis, ilusões vãs e a consequente desilusão consigo e com o mundo lhe dão a tônica numa amplitude de outros temas variados dentro daquele contexto histórico. É um excelente primeiro livro e já trazia em si sinais claros da qualidade literária de Fitzgerald que mais tarde culminaria em diversos contos e romances da dimensão de O Grande Gatsby, sua grande obra prima. Nele partimos duma soberba fantasia juvenil e avançamos rapidamente por cenas sucessivas da típica vida da privilegiada juventude americana do início do século passado até a apoteose dum caso de amor mais sério que transformaria para sempre a índole do jovem Amory. Tudo isso com uma vivacidade narrativa incomum, num texto que não nos poupa da crítica social ao seu tempo e nem do convívio com personagens imaturos e por vezes chatos, mas que exatamente por isso são também tão profundos e interessantes! Vale a leitura!