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Morte: Edição Definitiva


Jovem, linda, pálida, gótica e… alegre? A Morte imaginada por Neil Gaiman veio para revolucionar nosso conceito (e preconceito) a respeito da Ceifadora. A irmã mais velha de Morfeus ganhou uma roupagem contemporânea e um conceito arrebatador para nascer como coadjuvante e roubar a história, tornando-se protagonista de duas minisséries e outras HQs, além de ter participação de destaque na série de seu irmão! Esta Edição Definitiva reúne pela primeira vez no Brasil todas as histórias estreladas pela personagem, incluindo O Som de Suas Asas (primeira aparição) e Fachada, publicadas originalmente em Sandman; as minisséries O Alto Preço da Vida e O Grande Momento da Vida; e as histórias Um Conto de Inverno (Vertigo Winter’s Edge 2), A Roda, Morte e Veneza (Noites Sem Fim) e A Morte Fala da Vida, uma HQ educativa sobre sexo seguro. Além de roteiros de Neil Gaiman, a edição tem artes de Chris Bachalo, Mark Buckingham, Mike Dringenberg, P. Craig Russell, Dave McKean e mais! Como extras, a edição traz o roteiro de Sandman 8; uma imensa galeria de pin-ups e diversas informações sobre colecionáveis da Morte que todos gostaríamos de encontrar um dia!

Título: Morte: Edição Definitiva
Autor: Neil Gaiman
Arte: Chris Bachalo, Mark Buckingham, Mike Dringenberg, P. Craig Russell e Dave McKean
Editora: Panini / Vertigo
Ano: 2014 / Número de Páginas: 360
Morte conquistou de imediato os leitores de Sandman tão logo apareceu nas páginas da revista pela primeira vez, na oitava edição. Se você não está familiarizado com a família de personagens criados por Neil Gaiman, talvez ache um pouco estranho que a Morte seja tão adorada assim, mas como o próprio Neil a definiria mais tarde, ela é irresistível! Morte é a segunda irmã mais velha dos sete Perpétuos, um grupo de seres que personificam vários aspectos do universo, sendo mais nova apenas que Destino. Ao contrário de Sonho, o sempre mórbido e melancólico protagonista de Sandman, Morte é sempre otimista e bem humorada. Ela normalmente se apresenta como uma jovem trajando roupas góticas e carrega um colar no pescoço em forma de Ankh, ironicamente um símbolo egípcio para a vida, além de possuir cabelos negros e pele pálida, quase alva. Entre as suas atribuições como Perpétuo está a de se encontrar com cada mortal duas vezes em sua vida: uma no nascimento e outra na morte. Pela sua condição, a personagem também está fadada a ser o último ser a existir no universo e a uma vez a cada cem anos passar um dia como mortal ao fim do qual ela inevitavelmente morrerá, para assim ter uma melhor compreensão da sua missão.
Longe de ser uma inimiga, a Morte simplesmente é. É de se estranhar que a morte em si seja um tabu em qualquer conversa, uma vez que definimos nossa própria vida já sabendo que inevitavelmente um dia ela vai acabar. Nunca é fácil falar dela e aceitar este fato quando paramos para pensar sobre ele. O que Gaiman fez foi criar uma personagem que não apenas oferece conforto para tratar deste assunto, mas também uma amiga. Ela está longe do conceito popular que fazemos duma personificação da morte: é engraçada, amistosa e um pouquinho louca, mas não traz consigo o peso da dor, da escuridão e do nada. É alguém com quem você sentaria para tomar um café numa tarde para ter uma conversa franca e sincera. Esta edição definitiva reúne algumas das melhores histórias da Morte, que com muito carisma e autenticidade roubou os holofotes de seu irmão na série Sandman. São elas:
“O Som de Suas Asas” foi publicada originalmente em Sandman 8 e mostra a primeira aparição da personagem, ainda como coadjuvante em Sandman, além de ser a primeira vez que vemos como os Perpétuos se comportam realmente como irmãos em uma conturbada família. Na história, Morte encontra um Morpheus (um dos muitos nomes de Sonho) totalmente desmotivado e depressivo como resultado do tempo em que ficou ausente do Sonhar e de sua função. Ela dá a ele um novo propósito ao permitir que a acompanhe enquanto ela desempenha normalmente o seu papel de Perpétuo. Desnecessário dizer como essa simples tarde de conversa entre a Morte e o Sonho é espetacular, bem como a forma como ela lida com cada alma após a morte derradeira, seja aconselhando, ouvindo e acolhendo-as no além vida, enquanto as conduz para o descanso final nas Terras Sem Sol…

“Fachada” também é uma história vista em Sandman, mas é protagonizada unicamente por Morte. A história mostra o encontro de Morte com Rainie, que fora amaldiçoada pelo deus egípcio Rá com o dom de transmutar seu corpo em qualquer elemento químico ou substância, tornando-a assim virtualmente imortal. Mas ela quer morrer a qualquer custo pois seu rosto e corpo são deformados, ela não é mais de carne e osso, e em virtude de sua aparência não tem mais amigos em quem confiar ou outros relacionamentos duradouros. Viver para ela é um pesadelo interminável! Morte aqui faz o papel de confidente, ouvindo tudo o que Rainie tem para contar. Todas as mágoas e frustrações são postas para fora. Morte é o ombro amigo que às vezes precisamos e, como acontece com Rainie, nem sempre temos. Nessa história somos agraciados com alguns dos diálogos mais filosóficos e poéticos que a série Sandman pode nos proporcionar. É sem dúvida uma das minhas histórias favoritas!

“O Alto Preço da Vida” primeira minissérie totalmente protagonizada pela Morte, mostra um daqueles dias especiais em que ela vêm à Terra para viver como uma mortal. Morte, então personificada como Didi, uma garota de 16 anos, faz amizade com um adolescente entediado, Sexton Furnival, que planejava se matar e ele passa a acompanhá-la durante todo este dia. Morte não esconde quem ela realmente é de Sexton e isso causa muitas cenas hilárias com ele acreditando que ela é um tanto maluquinha. Obviamente a presença dela nesta condição vai atrair a atenção de alguns “vilões” como Hetti Maluquete, uma bruxa com mais de 200 anos que a encarrega da tarefa de reencontrar seu coração perdido, além de um misterioso ocultista, o Eremita, que quer a todo custo tomar a Ankh que a Morte carrega como colar para obter a vida eterna. Auto-descoberta, mudanças, escolhas, viver e deixar morrer são os temas principais desta minissérie.

“O Grande Momento da Vida” conta a história da cantora Foxglove e de sua namorada Hazel. No passado Hazel fizera um acordo com a Morte para evitar que seu filho Alvie morresse. A história começa a ser contada a partir do momento em que a Morte volta para cobrar a dívida. Foxglove parte a procura de Hazel que está na companhia da Morte, angustiada pela morte recente de seu agente e pela necessidade de contar a namorada que não a ama mais. É a segunda minissérie da Morte e traz uma trama mais complexa, com mais núcleos de personagens se alternando e adicionando elementos como o amor, fidelidade, vida pública e privada, e o drama pessoal de um casal lésbico frente aos temas recorrentes das grandes escolhas da vida e as mudanças perpetradas por uma fatalidade em suas vidas.
“Um Conto de Inverno” originalmente publicado em Vertigo Winter’s Edge 2, mostra a motivação inicial que levou a Morte a se comprometer com a tradição de em um dia a cada século nascer como uma mortal, experimentar a vida ao máximo e morrer. É ela se colocando no nosso lugar, experimentando as nossas próprias reações diante dela mesma e deste encontro inevitável. Tal como as outras histórias, oferece excelentes pontos de vista filosóficos daquilo que sabemos ser inevitável, mas ainda assim, difícil de aceitar e lidar.

“A Roda” conta a história de um filho de uma das vítimas dos atentados do 11 de Setembro. Inconformado com a perda da mãe e cheio de dúvidas com relação ao próprio futuro o garoto planeja cometer suicídio numa roda-gigante de um parque de diversões abandonado. No entanto, os Perpétuos Destruição e Morte surgem para renovar as suas esperanças. O suicídio é tema recorrente nas histórias da Morte e é sempre tratado de uma forma séria e cuidadosa. Imagino quantas pessoas nessa perspectiva não foram salvas ou encontraram respostas e alternativas lendo histórias como estas. Impossível não se emocionar!
“Morte e Veneza” originalmente parte da coleção de histórias de Noites Sem Fim, conta a história de uma corte corrupta que enganou o próprio tempo e a cada novo dia revive o mesmo dia ao infinito, experimentando as maiores extravagâncias possíveis e imagináveis para celebrar a própria vida. Morte espera pacientemente até o dia em que encontra ajuda para finalmente terminar este serviço pendente… Não se pode escapar dela, pelo menos não o tempo todo e uma hora ela chegará definitivamente para tudo e todos, não importando quanto tempo isso possa levar.
“A Morte Fala da Vida” uma HQ educativa distribuída gratuitamente na década de 1990 que aborda temas como AIDS, sexo seguro e camisinha. Morte tem uma conversa direta e franca com o leitor, desmistificando e informando sobre estes temas. Interessante perceber o potencial educativo e de conscientização que HQs podem ter se forem usadas em campanhas do tipo, o que infelizmente é raro de se ver.
O encadernado é de alta qualidade e é muito bem produzido, seguindo o modelo editorial visto nas edições definitivas de Sandman. Recentemente ele teve uma reimpressão e voltou novamente ao catálogo das livrarias e comic shops. Como extras ele traz ainda uma extensa galeria de imagens pin-ups e fotos de itens colecionáveis baseados na personagem, além do roteiro na íntegra e os primeiros esboços de Sandman 8, recheado de comentários célebres de Neil Gaiman.
Com ilustrações de Chris Bachalo, Mark Buckingham, Mike Dringenberg, P. Craig Russell, Dave McKean e outros, a arte varia bastante de uma história para outra, assim como acontece em Sandman, mas as ideias e conceitos apresentados nelas são tão poderosos que beiram o transcendental. Comentei durante a leitura, que não passava uma página sem ver pelo menos uma frase que me fizesse parar para simplesmente refletir, tanto sobre a história quanto sobre a minha própria vida e a de outros. O ritmo não é quebrado e você fica ansioso e ávido por saber o que vai acontecer, mas ao mesmo tempo também é levado a pensar e quer digerir e apreciar ao máximo e aos poucos cada frase, cada quadro, cada ação. Carl Sagan, em sua série Cosmos, disse que livros são a prova que a humanidade é capaz de fazer mágica, pois bem, quadrinhos também são!
As histórias aqui podem ser lidas de forma independente mesmo para quem não conhece ainda Sandman, a Morte e todo este universo criado por Gaiman. Para os que já se aventuraram pelo Sonhar e as edições de Sandman, o encadernado da Morte é uma escolha de leitura óbvia e eu nem preciso reforçar minha recomendação. Os diálogos que de forma tão singela lidam com temas tão comuns e caros a todos nós, sobretudo das nossas escolhas e incertezas diante da morte, são acima de tudo sobre o que fazer com a vida enquanto ainda podemos e no curto espaço de tempo que dela dispomos. Não se pode esperar conhecer a Morte de Neil Gaiman e continuar sendo a mesma pessoa. Este é um encadernado de entretenimento, é para ler, admirar e reler em vários momentos, mas vai muito, muito além disto, trazendo ao mesmo tempo em suas curtas histórias, o aprendizado de e para uma vida inteira.