Este volume inclui o ensaio Sobre Contos de Fadas e o conto Folha, de Migalha (Leaf by Niggle). Em seu ensaio Sobre contos de fadas, Tolkien discute a natureza dos contos de fadas e da fantasia e resgata o gênero que alguns pretenderam relegar à literatura infantil. Isso é ilustrado de maneira hábil e refinada por Folha, de Migalha, conto fascinante que narra a história do artista, Migalha (Niggle), que "precisa fazer uma longa viagem", e é visto como uma alegoria à vida de Tolkien. Escritas na época em que O Senhor dos Anéis estava tomando forma, essas duas obras mostram a maestria de Tolkien e sua compreensão da arte de subcriação, ou seja, o poder de dar à fantasia a "consistência da realidade".
Título: Árvore e Folha
Lançamento: 2013
Autor(a): J. R. R. Tolkien
Editora: Martins Fontes - Páginas: 114Lançamento: 2013
É fato que quem conhece a Terra-Média de J. R. R. Tolkien com todas as suas inumeráveis maravilhas e tenha por ela se encantado tenda a ficar sempre em busca de novas informações e detalhes, à cata de curiosidades que podem ir desde o processo de gênese e desenvolvimento deste mundo, passando pela obtenção de conhecimentos enciclopédicos sobre os seus muitos aspectos e até mesmo uma pesquisa mais séria e aprofundada sobre a biografia e os modos de pensamento do seu autor. Ao menos comigo foi e ainda é assim. É um mundo que estou sempre redescobrindo e enxergando com novos olhares. E era inevitável que numa dessas buscas eu me esbarrasse com Árvore e Folha.
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Árvore e Folha é um livro curto que compila dois textos bem distintos em sua forma mas que se relacionam pela temática. Ambos foram escritos por Tolkien quando ele estava imerso no processo de criação e escrita da primeira parte d’O Senhor dos Anéis, nos anos de 1938-1939 e revelam muito da forma de pensar dele sobre alguns dos aspectos que viriam a aparecer futuramente em sua obra mais famosa.
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O primeiro texto, “Sobre Contos de Fadas”, é um ensaio acadêmico no qual Tolkien procura conceituar (mas não de forma definitiva) o gênero dos contos de fadas, explicando sua origem e características principais, distinguido-o das histórias sobre viagens, da fábula de animais, do drama e pantomima teatrais e das histórias oníricas. Também especula que estes contos quase nunca tratam estritamente dos seres “fadas” mas sim de um tipo de reino ou lugar encantado, distante e belo, o que aproxima o gênero do fantástico e apresenta três facetas essenciais destas histórias: a Mística, voltada para o sobrenatural, a Mágica, voltada para a natureza e a do Espelho voltada para o ser humano. Mas o ponto de maior destaque no ensaio é a defesa que ele faz de que os contos de fadas não devessem ter a sua leitura relegados apenas às crianças como era comum se pensar na época. Tolkien argumenta que se tais contos forem escritos com arte (não visando uma infantilização artificial da história), eles têm tanto valor quanto quaisquer outras formas literárias. Mas ainda mais do que estas formas, os contos de fada têm um algo a mais a oferecer ao leitor: a Fantasia, a Recuperação, o Escape e o Consolo. Coisas que Tolkien cita e descreve individualmente e que a seu ver são mais necessários aos adultos do que as crianças.
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É a parte do livro em que Tolkien usa de toda a sua loquacidade característica. Pelo seu aspecto acadêmico é um texto que requer atenção, além de uma certa bagagem literária. Mas é bem recompensador. Tolkien defende com convicção seus argumentos e é impossível não terminar sem aprender muito com ele. Por exemplo descobri que Andrew Lang, poeta e crítico literário escocês, publicou entre 1889 e 1910 uma série de 12 livros coloridos que compilam mais de 400 contos de fadas populares, alguns dos quais Tolkien critica neste ensaio, em parte por Lang ter adaptado os contos, omitindo partes que considerava inadequadas para crianças, como se os adultos não pudessem e nem fossem lê-los.
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O segundo texto, “Folha, de Migalha”, é um conto (e sim, um conto de fadas). Nele conhecemos Migalha, um artista decidido a pintar a obra prima da sua vida: uma tela grandiosa com uma árvore e suas inúmeras folhas em todas as suas variedades, cores, formas e minúcias. Entretanto algum fator externo sempre o atrapalha e o prazo para terminar a obra é limitado pois ele tem uma viagem marcada que precisa fazer. Sua tela ganha novos detalhes a cada dia, o que consome cada vez mais tempo e dedicação, e tudo o que ele quer é poder terminá-la a tempo. Inicialmente uma pessoa calma, disposta a conversas, a receber e a ajudar seus vizinhos, Migalha, embora ainda continue fazendo todas essas coisas, passa a nutrir pensamentos menos nobres e uma certa inquietação com relação a eles, sobretudo por Paróquia, seu vizinho mais próximo e também o que mais insistentemente bate à sua porta em busca de ajuda.
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Daí adiante o desenvolvimento do conto, com seus altos e baixos e uma grande virada final, se for para ser definido em poucas palavras: é maravilhoso! Qualquer um que trabalhe com alguma forma de arte, ou faça do seu trabalho uma arte, vai se identificar muito com ele. É mencionado na sinopse que o conto é visto como uma alegoria da vida do próprio Tolkien e é fácil perceber o porque após lê-lo.
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Árvore e Folha vale muito por ambos os textos, permitindo que se façam interpretações e correlações entre eles, a obra e o autor. Diria que é item indispensável para qualquer um que aprecie uma boa história, para qualquer um que queira aprender um pouco mais de literatura, e claro, para qualquer fã de Tolkien, disposto a ler tudo o que leve suas iniciais. Particularmente me incluo nas três!