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O Templo dos Ventos (Trilogia dos Pássaros - Livro Um)


Depois da Grande Inundação, foram poucos os que restaram para continuar contando suas histórias. Vindos de muitos lados, reuniram-se no alto de uma montanha. E agora, finalmente adaptados, os sobreviventes precisam enfrentar o desafio de manter a paz na Aldeia.
Mas Noah, o Escrivão, não faz ideia dos eventos que está prestes a registrar...
Quando um jovem é encontrado morto, seu irmão mais velho, Gavin, parte em busca de vingança. Teria sido essa morte realmente causada pelos expulsos do povoado? Deveriam eles, então, perseguir e conter os Renegados?
Enquanto todos esperavam por respostas vindas do Ancião, uma grandiosa e ameaçadora Águia Branca irrompe os céus e surpreendentemente parece se comunicar com Átila, o líder dos Grupos de Caça e de Segurança. Também é chegada a hora dos pássaros cobrarem uma antiga Dívida.
A extraordinária visita da ave ao Templo dos Ventos revelará que os mistérios desse embate ligam céu e terra, homens e animais. Um universo interligado em que um segredo pode, sim, responder a todas as perguntas.
Título: O Templo dos Ventos
Série: Trilogia dos Pássaros - Livro Um
Autor: Marcelo F. Zaniolo
Editora: Publicação Independente
Ano: 2017 / Páginas: 308

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Anos após uma Grande Inundação que dizimou a civilização como a conhecíamos, alguns poucos descendentes dos sobreviventes desta tragédia resistem à força devastadora da natureza numa Aldeia no topo duma montanha, onde seus antepassados se refugiaram. Tudo em volta desta montanha agora é mar e as ruínas do que outrora foram os prédios de uma grande metrópole repousam submersos como um antigo cemitério do progresso desenfreado e inconsequente da humanidade. É nesse cenário pós apocalíptico e hostil que Marcelo F. Zaniolo, escritor paranaense, host e criador do podcast LivroCast, ambienta seu primeiro romance, O Templo dos Ventos, volume inicial da sua Trilogia dos Pássaros.
Nesta aldeia de sobreviventes, a vida prossegue, sem as mesmas facilidades tecnológicas da civilização atual, mas de modo pacífico, organizado e bem estruturado. Entre sua pouco mais de uma centena de habitantes, lá residem Noah, o escrivão encarregado de registrar toda a história da aldeia em pergaminhos, seu irmão mais novo, Átila, um grande guerreiro e líder dos Grupos de Caça e da Guarda. A liderança da Aldeia é exercida por um conselho comunitário presidido por um sábio Ancião que já prepara o filho, Deni, para sucedê-lo transmitindo a ele conhecimentos que remontam aos primeiros sobreviventes do Dilúvio. Eram muitas as atividades a serem desempenhadas lá: tecer, colher, cozinhar, caçar, proteger etc e todos se envolvem e colaboram da melhor maneira possível pelo bem comum.
Mas tal harmonia é quebrada quando Peri, um jovem garoto, irmão de Gavin, o segundo guerreiro em comando ao lado de Átila, desaparece misteriosamente, sendo encontrado morto alguns dias depois e em circunstâncias assustadoras. Um grupo é então formado para investigar as causas de tamanha atrocidade e resgatar Gavin que partiu sozinho em busca de vingança contra os Renegados, um grupo de dissidentes expulsos da Aldeia. Ao mesmo tempo uma enorme e misteriosa Águia branca surge no Templo dos Ventos e clama por ajuda relembrando aos humanos da Aldeia de uma antiga Dívida que eles têm com os pássaros. Dúvidas são levantadas e logo colocam os protagonistas em movimento, quem são os responsáveis pela morte de Peri? Onde está Gavin? Como Átila consegue se comunicar com a Águia Branca? Que perigos agora rondam pássaros e humanos e por quê uma nova aliança entre eles é firmada?
Quando se fala em literatura de fantasia quase que instantaneamente formamos em nossa cabeça um cenário europeu medieval. O Templo dos Ventos desvia com muito êxito disso ao nos presentear com uma trama mais focada na exploração de uma densa floresta em terreno montanhoso, quase que uma ilha de vida, de fauna e flora e de humanidade rodeada por um extenso oceano. O modo de vida de seus personagens me remete muito às primeiras tribos humanas. Sem aço, sem armaduras, sem cavalos e sem magia prodigiosa, os sobreviventes do Grande Dilúvio precisam se virar com pouco mais que agricultura, caça e pesca, mas possuem um acampamento altamente especializado e organizado e com regras bem definidas de conduta. O autor consegue nos transportar para um cenário instigante e desafiador, e o faz com o frescor de novidade. O que há além do oceano? Há mais humanos além dos da Aldeia e dos Renegados na montanha? Em que lugar da nossa Terra atual se passa a história? São perguntas que me acompanharam durante a leitura e cujas respostas foi um prazer descobrir com os personagens e os seus aliados animais.
Aliás eles são outro aspecto positivo do livro que merece ser ressaltado. Usando um jargão típico dos RPGs, os Companheiros Animais são bem comuns em diversas outras obras, há desde os monstrinhos de bolso de Pokémon, até os temíveis dragões de Game of Thrones, passando pelas nobres montarias como o mítico Pégaso ou o Scadufax de Gandalf, até aqueles que se tornam parceiros e desenvolvem um vínculo afetivo extremamente forte com os personagens como o inesquecível Falkor de A História Sem Fim. Mas por quê tantas histórias se valem deles para serem contadas? Eu não sei! Mas o fato é que talvez precisemos dos animais justamente para lembrarmos que somos parte de algo muito maior do que nós mesmos, da natureza, e instintivamente buscamos nos reencontrar com este nosso lado um tanto negligenciado através de histórias assim.
Em O Templo dos Ventos não é diferente. Na figura alada de aves de diversas espécies, os protagonistas se reencontram com suas próprias naturezas, ser humano e as aves formam um elo e passam a se comunicar, a compartilhar as mesmas emoções e até mesmo a própria visão. Ambas as espécies são movidas por objetivos comuns e uma parceria entre elas não apenas é proveitosa, mas pode significar a vida ou a morte de todos, embora a priori ninguém, ave ou não, saiba ao certo para onde a aventura vai levá-los.
Entre os temas discutidos ao longo do livro e em seu subtexto estão também o desenvolvimento de relacionamentos pautados por confiança e sinceridade mútua, um alerta sutil, mas urgente da necessidade de desenvolvermos uma consciência ecológica mais incisiva e madura, a busca por aceitação e reconhecimento, os pequenos dramas fraternos, além de valores como o trabalho em equipe, a amizade e o respeito aos animais e a cautela ao se julgar e condenar alguém por qualquer conceito pré estabelecido que talvez tenhamos.
Quanto aos personagens eles são bem caracterizados em termos de personalidade e possuem arcos bem definidos com motivações próprias, conflitos internos e externos. Eles são transformados pela jornada, descobrem-se e redescobrem-se nela. Noah e Zoe um pouco mais, Átila, Deni e Gavin talvez um pouco menos, mas ainda assim há cenas e desenvolvimento o suficiente para que nos importemos e nos identifiquemos com eles. Acrescente-se aqui os pássaros que os acompanham e auxiliam o tempo todo, a Águia, a Coruja, o Falcão, a Gaivota e o Pombo Pruuuu!, cada um deles um reflexo da personalidade do próprio personagem ao qual se ligam.
A edição impressa do livro pode ser adquirida diretamente com o autor e foi a que li e merece menção o perceptível cuidado despendido com a diagramação, layout e impressão do mesmo. Exceto pela revisão, a versão impressa não fica devendo em nada para publicações profissionais. Destaque também para a linda arte de capa de autoria de Jean Millezzi que ilustra a primeira aparição da Águia no Templo dos Ventos, o local sagrado que empresta seu nome também ao título.
Há alguns ótimos momentos no texto, que nos é narrado por Noah através de seus pergaminhos, caracterizados por frases curtas, algumas são parágrafos inteiros de uma única palavra cujo significado reforça alguns aspectos da cena descrita ou trazem viradas inesperadas ao que vinha sendo contado. A prosa é rápida e fluida a maior parte do tempo, não há longas pausas para descrições minuciosas e os detalhes do mundo vão se revelando aos poucos, conforme os acontecimentos os exigem e uma boa parte através de muitos diálogos entre os personagens. Pruuu! Os pássaros são tão ligados aos personagens que o do escrivão até se intromete algumas vezes na narrativa com Pruuus! hilários de ler!
Me identifiquei muito mais do que gostaria com o narrador por também ter um irmão fantástico e que admiro e também pela falta de jeito para uma vida de aventuras e quase nenhuma inclinação para o heroísmo! Mas Noah evolui bastante ao longo do livro, sobretudo por influência de Zoe, minha personagem favorita pela riqueza de conflitos, pelo arco narrativo próprio, pela independência, astúcia e maturidade. O clímax é muito bom e chega a ser desesperador ver que faltam tão poucas páginas e você queria mais, o desfecho deixa muitas dúvidas no ar para serem respondidas num vindouro segundo livro, o que atiça nossa ansiedade pelo que espera Noah, Zoe e todos outros!
O Templo dos Ventos é um bom primeiro livro com uma história leve, criativa e de leitura fácil e acessível para todas as idades que já nos brinda com um cenário cativante e com um ótimo potencial dentro e para além do nicho dos livros de fantasia. Zaniolo soube se valer da criatividade para brincar com suas fontes de inspiração e transformá-las em algo novo, rico, palpável e com camadas abrindo as portas para uma trilogia promissora. Que ele continue assim e alçando vôos cada vez mais altos!