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Os Meninos da Rua Paulo

A história dos meninos que travam batalhas de vida ou morte nas ruas de Budapeste, no final do século XIX, ainda fascina leitores de várias gerações. Publicado em 1907, este livro projetou mundialmente o húngaro Ferenc Molnár (1878-1952). Está para nascer quem não se identifique com o espírito de amizade e heroísmo presente nesta obra maravilhosamente traduzida por Paulo Rónai. Esta nova edição, inteiramente revista, traz posfácio de Nelson Ascher, além dos depoimentos de Tatiana Belinky, Laura Sandroni, Marçal Aquino e Edgard Scandurra. Leitura obrigatória para professores, bibliotecários, alunos e ex-alunos, amigos do bairro, miúdos e marmanjos. Um clássico da literatura infanto-juvenil que já conquistou mais de um milhão de leitores.

Título: Os Meninos da Rua Paulo
Título Original: A Pál utcai fiúk
Editora: Cosac Naify
Autor: Ferenc Molnár
Tradução: Paulo Rónai
Ano: 2005 / Número de páginas: 264


Embora seja um clássico muito famoso e já faça parte da infância e da memória de diversas gerações de leitores, apenas recentemente conheci a história por trás de Os Meninos da Rua Paulo e tão logo terminei a leitura, soube porque este é um livro indispensável para todos. Escrito pelo jornalista e escritor húngaro Ferenc Molnár e publicado pela primeira vez em 1907, o livro é tido como a mais popular obra literária húngara, já tendo sido amplamente traduzido para vários idiomas e adaptado diversas vezes para o cinema e teatro.
O livro conta a história de um grupo de garotos bem diverso, que após as aulas reúnem-se para brincar no grund, um terreno baldio em frente a uma antiga serraria. Lá eles formam a Sociedade do Betume, onde ocupam cargos e cumprem funções específicas que incluem manter o betume (uma espécie de massa mineral usada para vedar e símbolo do grupo) sempre úmido para que não o mesmo seque e defender o grund. As coisas se complicam quando a posse do grund passa a ser cobiçada também pelos Camisas Vermelhas, um outro grupo de garotos mais velhos e que reúnem-se numa ilhota dentro do Jardim Botânico sob a liderança de Chico Áts, com os temíveis irmãos Pásztor. Por não disporem de um terreno para jogar péla (um jogo ancestral ao tênis moderno), eles declaram guerra à Sociedade do Betume. Os membros da Sociedade do Betume então se organizam para a grande batalha, do líder Boka ao soldado raso Nemcsek, todos se comprometem a defender aquele estimado terreno, e assim, uma simples disputa por um lugar para brincar cresce em drama atingindo proporções dignas de um épico ao evidenciar que o que está em jogo é muito mais do que a simples posse do grund.
É nessa trama de aventura juvenil aparentemente simples, e que rapidamente me remeteu a atmosfera de filmes como Os Goonies, Os Batutinhas e Conta Comigo, que o autor nos brinda com uma história profunda e repleta de significados e valores, certamente também partilhados por todos os adultos que já viveram esta que muitos consideram uma das melhores épocas da vida. A cumplicidade que une os Meninos da Rua Paulo, o senso de lealdade e a descoberta de que o mundo vai muito além das fronteiras do seu grund me deixaram verdadeiramente emocionado durante toda a leitura. O desfecho é absolutamente comovente e capaz de levar qualquer um às lágrimas, em parte pela excelente construção dos personagens feitas ao longo de toda a narrativa, e de um deles em especial que agiu como um verdadeiro herói e um grande homem até o fim!
A edição da Cosac Naify traz um posfácio e notas do poeta e tradutor de origem húngara Nelson Ascher, além de uma Introdução do tradutor da obra Paulo Rónai, que também é escritor, dicionarista e grande divulgador da literatura húngara no Brasil, onde chegou como refugiado da guerra em 1941 e logo destacou-se no meio intelectual brasileiro. Durante a leitura tive um pouco de dificuldade com a tradução, que é antiga, de 1942 e usa alguns termos um pouco incomuns, mas nada que algumas páginas depois você já não tenha se acostumado. As notas de rodapé cuja única função eram explicar o significado de uma única palavra no texto foram de pouco proveito para mim, mas como o livro se destina a um público leitor em formação, elas podem ser úteis como fonte de consulta mais rápida e prática do que um dicionário. O livro também traz as ilustrações originais de Tibor Gergely e uma bibliografia extensa de obras relacionadas ao final, sem dúvida um ótimo ponto de partida para quem anseia por mais. Recentemente a Companhia das Letras publicou uma nova edição deste livro trazendo, além dos textos presentes na edição da Cosac Naify, uma orelha assinada por Luiz Schwarcz, um posfácio de Michel Laub e um glossário.
O livro também toca por já alertar para a falta de espaços adequados nas grandes cidades para que crianças e adolescentes possam brincar e se desenvolver de forma saudável. Assusta pensar que este já era um problema a se considerar há mais de cem anos. E isso se agrava ainda mais tendo em mente o contexto histórico de guerra que influenciou de certa forma também o modo como as crianças no livro brincavam, imitando a hierarquia militar dos adultos e mimetizando algumas das táticas de guerra dos soldados que batalharam naquela região de conflito. Quantos meninos e quantas ruas Paulo não existem no mundo hoje e quantos deles não travam suas próprias batalhas pelo simples direito à amizade, à brincadeira e à infância?
Os Meninos da Rua Paulo evoca não apenas a memória e a nostalgia dos bons tempos e das brincadeiras de infância como faz com que nos demos conta daquilo que é verdadeiramente importante e que vale para toda a vida: estar verdadeiramente presente de corpo e alma nos relacionamentos que cultivamos, construindo bons vínculos com os outros. Seja na adversidade ou na bonança, ter com quem contar em momentos decisivos é tudo! Honra, lealdade, espírito de equipe e companheirismo permeiam toda a narrativa dando o tom certo tanto em momentos mais descontraídos em que aflora uma ironia carinhosa quanto nos momentos mais sérios e graves pelos rumos e proporção que tudo parece tomar. Assim soma-se de forma simultânea a espontaneidade inocente das brincadeiras juvenis a uma carga moral e política profunda dadas as situações que eles se permitem viver e enfrentar no grund. Os Meninos da Rua Paulo é uma das poucas leituras que eu colocaria num rol de indispensáveis e recomendaria indistintamente a todos, sem exceção! Sua força está muito além da alta qualidade literária do seu autor ou mesmo do caráter universal dos temas que ele aborda. É tão bom que (permitam-me tomar emprestado uma fala de um dos personagens) "— Deveríamos acrescentar algum palavrão."