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Pílulas Azuis

Nesta narrativa gráfica pessoal e de rara pureza, por meio de um roteiro simples e de temas universais (o amor, a morte), Frederik Peeters conta sobre seu encontro e sua história com Cati, envolvendo o vírus ignóbil que entra em cena e muda tudo, e todas as emoções contraditórias que ele tem de aprender a gerenciar: amor, raiva, compaixão. Pílulas azuis nos permite acompanhar, sem nenhum vestígio de sentimentalismo, através de um prisma raramente (senão nunca) abordado, o cotidiano de uma relação cingida pelo HIV, sem deixar de lançar algumas verdades duras e surpreendentes sobre o assunto. Apesar da seriedade do tema, Pílulas azuis é uma obra cheia de leveza e humor. Não é à toa que é considerada por muitos a obra-prima de Frederik Peeters. Uma das mais belas histórias de amor já publicadas.
Título: Pílulas Azuis
Autor: Frederik Peeters
Editora: Nemo
Número de Páginas: 208


Conheci e passei a admirar o trabalho do quadrinista suíço Frederik Peeters através de sua aclamada série Aâma que mescla magistralmente ficção científica, suspense e humor adulto. Assim, quando soube que mais uma de suas obras chegaria ao Brasil,em meados de 2015 e também pela editora Nemo, já sabia que ia adquirir e ler ansiosamente e tal aposta e avidez não poderiam ter sido mais certeiras e recompensadoras. Outra vez Peeters superou todas as minhas expectativas!
Pílulas Azuis é um registro autobiográfico em quadrinhos. De início ela abarca uma curta parte da vida de Fred (como o autor é chamado na HQ), a partir do final de sua adolescência, quando em meados dos anos 90 conhece Cati numa festa na casa de um amigo e a história segue até os dias de hoje. Depois daquela festa e após algumas idas e vindas, ele e Cati começam a namorar e a guinada vem quando Cati, se sentindo segura o suficiente de seus sentimentos e do relacionamento com ele, revela que é soropositiva e que seu filho (fruto dum casamento anterior) por tabela também é. Fred a ama e está disposto a assumir o relacionamento incondicionalmente. Após cerca de um ano de relacionamento Cati insiste para que Fred conte para seus pais sobre a sua doença e relutando em fazê-lo é que ele tem a ideia de escrever a presente HQ.
De forma muito sensível nos é contado um pouco do cotidiano deles com todas as dúvidas, incertezas e assombrações advindas da presença do vírus, mas sem deixar de lado os aspectos universais que permeiam todo e qualquer relacionamento e nem os momentos felizes de cumplicidade, superação e amor pleno. Embora trate de um tema sério e até espinhoso, a HQ é conduzida com leveza, naturalidade e até um certo humor. Algo que eu só acho que tenha sido possível por ser o próprio Peeters com sua experiência de vida quem nos conta a sua história, diretamente e sem intermediários. Em dado momento a doença passa a ser vista não como um grande monstro a ser enfrentado mas sim como mais um dos vários problemas pelos quais qualquer casal em um relacionamento terá de lidar.
Infelizmente informações errôneas, fruto de senso comum e sem uma maior análise crítica de nossa parte podem nos levar ao erro e ao preconceito. As informações acerca do vírus, do tratamento e do relacionamento mostrados aqui são precisas e valiosas e vi muito do que eu achava saber sobre a Aids ser desconstruído pouco a pouco enquanto lia. Não existem empecilhos que impeçam portadores do vírus de viver uma vida plena e normal. Uma obra como esta cumpre um papel e presta um serviço de suma importância e relevância para a sociedade mesmo que a sua intenção não seja essa a princípio.
As ilustrações possuem um traço mais simples e cartunesco e só se aproximam das linhas mais realistas de Aâma em suas páginas finais criando o efeito de passagem de tempo desejado no epílogo. Chama a atenção a fluidez dos quadros e a capacidade do artista de imprimir em imagens tão simples todas as sensações e emoções implícitas naquelas cenas compondo um enredo vivo, envolvente e tocante. Pílulas Azuis é o perfeito exemplo do conceito de arte sequencial tal e qual concebido por Will Eisner em seu livro Quadrinhos e Arte Sequencial ou seja a modalidade artística que usa o encadeamento de imagens em sequência para contar uma história graficamente. Algo básico, mas que nem todas as HQs conseguem fazer de forma tão satisfatória.
A edição da Nemo é em brochura com capa cartão e papel off-set e conta com tradução de Fernando Scheibe e vale mencionar também o trabalho de letreiramento de Guilherme Fagundes que casa perfeitamente com a arte original.
Ouso dizer que Pílulas Azuis logo logo figurará em listas de melhores quadrinhos ao lado de grandes e conhecidos figurões, tais como Retalhos, Persépolis e Maus. Ela cumpre o papel de entreter e informar e vai além ao elucidar e desconstruir mitos e preconceitos de senso comum com relação a vida dos portadores do vírus enquanto nos brida com uma belíssima história de amor. Não era para ser assim mas às vezes precisamos de um gatilho que nos faça parar e pensar e ver como nossos valores e atitudes podem estar completamente equivocados. Quando uma obra é capaz de te tocar e mudar de uma forma tão positiva, nem que seja um pouquinho, ela já é digna de nota. Neste quesito, Pílulas Azuis de Frederik Peeters vai ainda além sendo duma preciosidade e relevância que apenas muito raramente temos a oportunidade de ler. Indispensável!