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Senhor das Moscas

Publicado originalmente em 1954, Senhor das Moscas é um dos romances essenciais da literatura mundial. Adaptado duas vezes para o cinema, traduzido para 35 idiomas, o clássico de William Golding — que já foi visto como uma alegoria, uma parábola, um tratado político e mesmo uma visão do apocalipse — vendeu, só em língua inglesa, mais de 25 milhões de exemplares.
Durante a Segunda Guerra Mundial, um avião cai numa ilha deserta, e seus únicos sobreviventes são um grupo de meninos em idade escolar. Eles descobrem os encantos desse refúgio tropical e, liderados por Ralph, procuram se organizar enquanto esperam um possível resgate. Mas aos poucos — e por seus próprios desígnios — esses garotos aparentemente inocentes transformam a ilha numa visceral disputa pelo poder, e sua selvageria rasga a fina superfície da civilidade, que mantinham como uma lembrança remota da vida em sociedade.
Ao narrar a história de meninos perdidos numa ilha paradisíaca, aos poucos se deixando levar pela barbárie, Golding constrói uma história eletrizante, ao mesmo tempo uma reflexão sobre a natureza do mal e a tênue linha entre o poder e a violência desmedida.
A nova tradução para o português mostra como Senhor das Moscas mantém o mesmo impacto desde o seu lançamento: um clássico moderno; um livro que retrata de maneira inigualável as áreas de sombra e escuridão da essência do ser humano.
Título: Senhor das Moscas
Título Original: Lord of the Flies
Autor: William Golding
Editora: Alfaguara
Tradução: Sérgio Flaskman
Ano: 2014 / Número de páginas: 224


Escrito enquanto William Golding lecionava numa escola católica para meninos em Salisbury, na Inglaterra, Senhor das Moscas, seu primeiro romance e também o de maior sucesso, é tido como um dos grandes clássicos da literatura do pós-guerra. Golding estudou ciências naturais em Oxford e serviu na marinha britânica na Segunda Guerra Mundial, experiência que influenciou boa parte de sua obra e sobre a qual disse: "Qualquer pessoa que tenha passado por esses acontecimentos terríveis sem entender que o homem produz o mal como a abelha produz o mel estava cega ou louca".
Senhor das Moscas através de sua alegoria protagonizada por crianças trata exatamente da maldade intrínseca ao âmago humano. Na trama, um grupo de meninos dum colégio inglês com idades entre cinco e quatorze anos sobrevive a um acidente aéreo quando eram levados para longe da guerra. O avião faz um pouso forçado numa ilha paradisíaca, de clima tropical e completamente deserta. Com a morte de todos os adultos responsáveis pelos garotos no acidente, livres e sós, agora cabe a eles mesmos tomar as suas próprias decisões para sobreviverem naquele novo ambiente.
Logo dois grupos distintos são formados e as divergências em torno de quais devem ser os objetivos principais de todos eles vão acirrar as brigas e levá-los a perder o controle transformando a ilha num verdadeiro campo de guerra. O primeiro grupo é liderado por Ralph, um dos garotos mais velhos e escolhido por voto como líder de todos. Seu maior objetivo é manter uma fogueira sempre acesa e assim, com a fumaça, atrair a atenção para um resgate. O segundo grupo é liderado por Jack, antes o líder do coral do colégio, e que passa a comandar seus amigos com disciplina marcial, incitando-os sempre a caçar e matar porcos para se alimentarem já que logo eles enjoam das frutas da ilha. Porquinho, um terceiro personagem, vítima das chacotas de todos devido a sua aparência e ignorado por boas parte deles tem um papel de destaque no conflito entre Ralph e Jack, além de ser durante a maior parte do tempo a voz mais sensata e dotada de razão entre todos os garotos. Seus óculos de grau são um item de suma importância para ambos os grupos pois é com ele que eles conseguem fazer fogo.
De inicio e com papéis bem definidos a convivência entre os garotos dos diversos grupos é pacífica, eles desempenham normalmente suas atividades e ainda se divertem com a súbita liberdade propiciada pela situação incomum em que se encontram. Contudo, a desobediência do que é definido, a falta de compromisso com os objetivos em comum, além do surgimento de rumores de que a ilha é habitada por uma criatura estranha que perturba noite após noite os sonhos dos mais jovens acirra ainda mais as divergências de opiniões dos líderes que passam a brigar constantemente, até que Jack e seu grupo decidem se separar de vez do grupo de Ralph e ir viver do outro lado da ilha. O ambiente resultante das disputas de poder entre eles é de guerra: opressão, perseguição e morte pouco a pouco tomam conta do cotidiano da ilha.
A escolha de Golding por um narrador onisciente em terceira pessoa contribui para nos mantermos de certo modo afastados dos acontecimento, nos dando uma visão por cima, mas ainda assim, em alguns momentos isso me soou dum certo sadismo, algo como acompanhar as cobaias de um experimento social destruindo-se aos poucos, mas é inegável o quão curioso e perplexo eu fiquei com a trama tentando entender como tudo pôde se despedaçar tão facilmente. O vasto conjunto de símbolos alegóricos no romance rende material para as mais diversas interpretações acerca do que cada elemento representaria e de como o enredo relaciona uns com os outros. A concha, os óculos, os porcos, as moscas, Ralph, Jack, absolutamente tudo nele pode e deve ser lido de mais de uma forma.
Golding tece uma crítica mordaz ao modelo do bom selvagem de Rousseau segundo o qual o ser humano nasce bom, mas é aos poucos corrompido pela vida em sociedade durante o processo civilizatório. Em Senhor das Moscas vemos a corrupção partir do âmago do ser humano, principalmente através da disputa de poder pelas construções sociais que ele mesmo criou para organizar e manter a estabilidade da vida em sociedade. O ser humano tensiona e rompe com os acordos sociais porque é da natureza da sua índole. A trama choca ainda mais por vermos que são crianças abrindo mão de sua inocência e sem se darem conta, talvez indo longe demais em sua ações e decisões.
A experiência de lê-lo se mostrou muito gratificante, é impossível não se ver envolvido com a atmosfera de tensão que aos poucos vai se construindo em torno do trio de personagens principais, mas também com a percepção dos papéis que cada um ali representa através da alegoria e das metáforas contidas por trás de suas ações. É um livro sem igual, que intriga e perturba, mas passa longe de impor uma moral, é daqueles que dão material para pensar e muito principalmente sobre o quão frágil são as estruturas sociais que mantém o nosso mundo civilizado funcionando ainda que de maneira imperfeita. Em Senhor das Moscas o que vemos é a ordem sendo suprimida pelo caos, a civilidade sendo superada pela barbárie, a lei e a razão sendo subjugadas pelas força bruta e pela selvageria. É assustador pensar que tudo pode ruir num instante e com tanta facilidade.