Haruki Murakami é um fenômeno. Com mais de 1 milhão de exemplares vendidos no Japão na semana em que foi lançado, e atingindo o primeiro lugar das listas de mais vendidos ao redor do mundo, seu novo livro o coloca entre os grandes autores da atualidade.
Tsukuru Tazaki é um homem solitário, perseguido pelo passado. Na época da escola, morava com a família em Nagoya e tinha quatro amigos inseparáveis. Agora, vive em Tóquio, onde trabalha no projeto e na construção de estações de trem e namora uma mulher dois anos mais velha. Mas não se esquece de um trauma sofrido dezesseis anos antes: inexplicavelmente, foi expulso do grupo de amigos, e nunca mais os viu. Agora, ele decide revisitar o passado e reencontrá-los, para saber um pouco mais de cada um e de si mesmo. Sua jornada o levará a locais distantes, numa transformação espiritual na busca pela verdade.
O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de peregrinação é um livro emocionante sobre a busca de identidade. É uma história sobre pessoas perdidas, que lutam para lidar com o desconhecido e aceitá-lo de algum modo. Como cada um de nós.
Título: O Incolor Tsukuro Tazaki e Seus Anos de Peregrinação
Título Original: Shikisai o motanai Tazaki Tsukuro to, kare no junrei no toshi
Editora: Alfaguara / Objetiva
Autor: Haruki Murakami
Tradução: Eunice Suenaga
Ano: 2014 / Páginas: 326
Haruki Murakami é um autor consagrado e conta com uma verdadeira legião de fãs tanto em meio ao grande público quanto entre a crítica especializada, já tendo sido indicado várias vezes desde 2011 ao Nobel de Literatura. O autor é famoso por sua capacidade de mesclar referências culturais japonesas e ocidentais numa prosa ágil com enredos fantasiosos e atualmente é um dos maiores best-seller mundiais já tendo livros traduzidos para mais de 50 idiomas diferentes. O Incolor Tsukuro Tazaki e Seus Anos de Peregrinação finalmente marca meu primeiro contato com a sua escrita e posso dizer que comecei muito bem!
Neste romance originalmente publicado em 2013 acompanhamos o protagonista Tsukuro Tazaki, um engenheiro de meia idade que leva uma vida comum e insossa em Tóquio, onde é responsável por projetar, reformar e construir estações de trem. Sua rotina consiste basicamente em casa e trabalho, mas ele tem uma namorada, Sara, com quem eventualmente se encontra e sai para jantar. Ela percebe algo estranho com Tsukuro, uma incapacidade de se abrir e se entregar totalmente ao relacionamento e com isso descobrimos um fato curioso sobre o seu passado, ocorrido há 16 anos, uma ferida cicatrizada mas que ainda o atormenta.
Naquela época, quando ainda morava e estudava em Nagoia, a sua cidade natal, ele integrava um grupo de cinco amigos com quem sempre se reunia e conversava enquanto desempenhavam um trabalho voluntário como parte das atividades extra curriculares do Ensino Médio. Os outros membros deste grupo tinham a particularidade de ter nos ideogramas japoneses dos seus sobrenomes, o nome de uma cor. As garotas Shirane (raiz branca) e Kurono (campo preto) e os rapazes Akamatsu (pinheiro vermelho) e Ômi (mar azul). Apenas Tsukuro Tazaki, cujo ideograma do sobrenome significa construir, fabricar, não partilhava dessa coincidência curiosa. Com o tempo eles passaram a se chamar pelas cores ao invés dos nomes, Branca, Preta, Vermelho e Azul e Tsukuro de Incolor. Isso não os impedia de manterem uma amizade sincera e de formarem uma unidade como um grupo no qual podiam se desenvolver, crescer e se expressar à vontade ajudando-se mutuamente.
Após a conclusão do Ensino Médio, Tsukuro se muda de Nagoia para estudar engenharia numa universidade em Tóquio, mas continua mantendo contato e visitando estes amigos sempre que possível nas férias. Isso até ele receber uma ligação na qual é avisado de que o grupo não quer mais vê-lo de forma alguma, comunicando desta forma a sua expulsão definitiva e unilateral por parte dos membros coloridos. O choque fora tal que Tsukuro não teve reação e não procurou saber o real motivo disso, ele entrou em uma depressão profunda, não suportando a rejeição daqueles em quem confiava e esteve a beira de cometer suicídio. Essa experiência obviamente deixou profundas marcas no Tsukuro de hoje, a agonia de não saber o porquê da exclusão ainda o persegue e ao saber dessa história, Sara incentiva que ele vá atrás desses antigos amigos e tente entender o que ocasionou a sua expulsão sumária do grupo. Então, esta jornada empreendida por Tsukuro em busca do seu próprio passado enquanto tenta compreender a si mesmo hoje é o mote principal do livro.
A prosa do Murakami é incrível, fluída e arrebatadora, com uma habilidade impecável ele alterna os tempos narrativos, passado e presente, os interlocutores dos diálogos e em poucos capítulos curtos e com uma dose de suspense criada em torno da expectativa com relação aos fatos que envolvem o grupo de amigos de Tsukuro, somos rapidamente capturados pela sua história.
Tsukuro é um personagem complexo, mas bastante confuso emocionalmente, não sabia o que esperar dele e até temi pelo que poderia descobrir enquanto lia. Não foi um personagem com o qual me apeguei logo de início, apesar de ficar comovido e muito incomodado com o seu drama pessoal, mas que ao longo do desenrolar dos fatos mostrou ser alguém muito mais digno da minha admiração do que de pena ou condescendência. Por meio dele e das reflexões propostas pelo autor na narrativa podemos também fazer uma busca por nossa própria identidade. É comum experimentarmos momentos de insegurança, e de falta de confiança em nós mesmos e em nossas capacidades, momentos nos quais nos sentimos vazios e incolores assim como Tsukuro. Enxergar isso já é um primeiro passo importante que pode aproximar leitor e personagem e foi justamente o que conseguiu despertar minha empatia e identificação com este protagonista. Afinal, o que mais ele era para aquele grupo além de o “incolor”?
Para mim os momentos cruciais, além da grande revelação, foram o início e o final do romance, onde somos respectivamente confrontados com o abismo da depressão e todo o amargor da rejeição, e posteriormente com a constante necessidade de continuar seguindo em frente buscando uma definição própria de nós mesmos ou o que quer que seja. O final é honesto e ainda que vago é bem construído e nos dá a liberdade de interpretar como seria a vida de Tsukuro após estes seus anos de peregrinação e o que ele descobre de si mesmo como indivíduo neles. O livro ainda consegue trabalhar de uma forma convincente temas comuns como a solidão, a necessidade de pertencimento aos grupos sociais e as dificuldades de adaptação a novas situações.
O Incolor Tsukuro Tazaki e Seus Anos de Peregrinação parte duma premissa simples, mas é carregado de significados profundos. Sua trama se vale de questionamentos filosóficos, de metáforas curiosas, de um pé no onírico e no erotismo de modo que vai muito além do drama realista, mas permanece leve e é bastante acessível a qualquer tipo de leitor. Meus receios iniciais com a literatura oriental, percebi, eram infundados e já estou disposto a conhecer mais de Haruki Murakami. O livro é recomendado tanto para o leitor novato quanto para aqueles que já o conhecem, Patti Smith, escritora e musicista, afirma que nele, Murakami nos traz uma faceta inédita diferente das dos seus romances anteriores, uma faceta que eu adorei ter conhecido e que recomendo a todos!