A maior astúcia do Diabo é nos convencer de que ele não existe", escreveu o poeta francês Charles Baudelaire. Já a grande astúcia de Andrew Pyper, autor de O Demonologista (DarkSide® Books, 2015), é fazer até o mais cético dos leitores duvidar de suas certezas. E, se possível, evitar caminhos mal-iluminados.
O personagem que dá título ao best-seller internacional é David Ullman, renomado professor da Universidade de Columbia, especializado na figura literária do Diabo - principalmente na obra-prima de John Milton, Paraíso Perdido. Para David, o Anjo Caído é apenas um ser mitológico. Ao aceitar um convite para testemunhar um suposto fenômeno sobrenatural em Veneza, David começa a ter motivos pessoais para mudar de opinião. O que seria apenas um boa desculpa para tirar férias na Itália com sua filha de 12 anos se transforma em uma jornada assustadora aos recantos mais sombrios da alma.
Enquanto corre contra o tempo, David precisa decifrar pistas escondidas no clássico Paraíso Perdido, e usar tudo o que aprendeu para enfrentar O Inominável e salvar sua filha do Inferno.
Título: O Demonologista
Editora: Darkside Books
Editora: Darkside Books
Autor: Andrew Pyper
O Demonologista é o tipo de livro ao qual eu raramente resisto: tem uma capa e visual sensacionais, um título chamativo e uma sinopse que promete! O livro que figurou nas listas dos mais vendidos ao longo de 2015 logo chamou minha atenção, mas algumas críticas negativas me fizeram perder um pouco da empolgação inicial com ele, tanto que demorei para tirá-lo da estante para ler, mas enfim o fiz.
O Demonologista é narrado em primeira pessoa pelo seu protagonista, David Ullman, um renomado professor da Universidade de Columbia, especializado na figura literária do Diabo, principalmente na obra-prima de John Milton, Paraíso Perdido. Embora seja um especialista em assuntos relacionados ao demônio, David é um ateu convicto e no máximo encara o Anjo Caído como apenas mais um ser mitológico. Em meio a uma crise em seu casamento, ele aceita a proposta de trabalhar em Veneza na Itália, onde testemunha um estranho fenômeno sobrenatural. Ainda abalado com a experiência, David começa a ter outro motivo, agora de cunho pessoal para mudar suas convicções sobre o Diabo. O que seria apenas uma boa desculpa para tirar férias com sua filha de 12 anos e afastá-lo do ambiente de crise conjugal, acaba se transformando num pesadelo. Sua filha desaparece em Veneza e é dada como morta, mas David se recusa a acreditar nisto e parte numa jornada, decifrando possíveis pistas deixadas pelo demônio, para reencontrá-la.
Grande parte da decepção com o livro ou vem da alta expectativa criada em torno dele, ou de uma análise mais crítica das motivações que conduzem Ullman em sua jornada. Não há nele os elementos que tornaram clássicos outras obras de terror nessa vertente, tais como os rituais de exorcismo, pactos, e afins e o suspense criado não consegue ser realmente enervante e transparecer a urgência necessária. A figura do Diabo aqui é apenas sugerida, não é palpável, podendo ser interpretada como a materialização dos próprios medos e da angústia e melancolia experimentados pelo protagonista indo de encontro com o seu lado mais racional e cético. As pistas que o conduziram por uma longa jornada de carro por boa parte das rodovias norte-americanas me pareceram ou convenientes demais em certos momentos, ou totalmente aleatórias em outros. David Ullman me pareceu apenas uma marionete nas mãos do autor (ou seria do demônio?) sendo levado daqui para ali e não conseguiu me cativar verdadeiramente. Até os coadjuvantes Elaine O'Briaen e o homem conhecido como O Perseguidor foram de certo modo mais empáticos que ele.
Mas nem todo paraíso está perdido! Se levarmos em conta que a trama de Pyper é um pretexto para discutirmos a própria humanidade e como ela enxerga a si mesma diante do sobrenatural, aí sim o livro ganha um pouco mais de crédito. De fato a narrativa é permeada de fluxos de pensamento do protagonista e eles invariavelmente nos fazem pensar em nossa própria condição humana. Solidão, razão, loucura, a eterna luta dicotômica entre o bem e o mal são alguns dos temas abordados. As perspectivas e interpretações feitas com base nos acontecimentos estranhos e na literatura clássica e bíblica rendem ótimos pontos de partida para uma reflexão mais aprofundada e filosófica.
Do ponto de vista gráfico vale ressaltar todo o capricho da DarkSide Books com esta edição. Além de uma capa-dura texturizada, que remete a um livro antigo com detalhes em costura, e um marcador de fita de cetim, internamente o livro ainda traz uma ótima diagramação com ilustrações de Gustave Doré, ilustrador francês de diversos clássicos como A Divina Comédia e do próprio Paraíso Perdido. Há também diversas notas da tradutora, Cláudia Guimarães, quase sempre voltadas a elucidar especificidades da cultura americana. O livro só pecou na revisão, que deixou passar alguns erros de digitação num dos capítulos finais. Há também um excelente posfácio comentando a vida e a obra de John Milton, que inspiraram boa parte da temática d’O Demonologista. Um dos grandes feitos deste livro é justamente despertar a atenção e a curiosidade do leitor para o clássico poema épico Paraíso Perdido.
O Demonologista não é um livro assustador e tampouco é tão carregado de elementos sobrenaturais e demoníacos como sugere sua capa, sinopse e título. Sua trama se concentra mais no drama e conflitos psicológicos do protagonista, cuja razão é posta a prova em sua jornada em busca de sua filha perdida e, porque não dizer, de reencontro consigo mesmo e com a fé. Como pontos positivos destaco ainda a prosa fluída do autor, as referências ao poema de Milton e a forma como trechos do mesmo serviram para interpretar alguns dos acontecimentos narrados com David Ullman. Indicaria O Demonologista para quem busca por um suspense leve e uma leitura rápida e casual.