Verdadeiro clássico moderno, concebido por um dos mais influentes escritores do século 20, "A Revolução dos Bichos" é uma fábula sobre o poder. Narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a revolução degenera numa tirania ainda mais opressiva que a dos humanos.
Escrita em plena Segunda Guerra Mundial e publicada em 1945 depois de ter sido rejeitada por várias editoras, essa pequena narrativa causou desconforto ao satirizar ferozmente a ditadura stalinista numa época em que os soviéticos ainda eram aliados do Ocidente na luta contra o eixo nazifascista.
De fato, são claras as referências: o despótico Napoleão seria Stálin, o banido Bola-de-Neve seria Trotsky, e os eventos políticos - expurgos, instituição de um estado policial, deturpação tendenciosa da História - mimetizam os que estavam em curso na União Soviética.
Com o acirramento da Guerra Fria, as mesmas razões que causaram constrangimento na época de sua publicação levaram A Revolução Dos Bichos a ser amplamente usada pelo Ocidente nas décadas seguintes como arma ideológica contra o comunismo. O próprio Orwell, adepto do socialismo e inimigo de qualquer forma de manipulação política, sentiu-se incomodado com a utilização de sua fábula como panfleto.
Título: A Revolução dos Bichos
Autor (a): George Orwell
Editora: Companhia das Letras
Número de páginas: 152
Certos livros são capazes de transcender o seu próprio tempo, preservando ainda toda a pertinência da discussão a que inicialmente se propõe recebendo a alcunha de clássicos por isto. A Revolução dos Bichos de George Orwell, pseudônimo pelo qual seu autor Eric Arthur Blair seria mais conhecido, sem dúvidas, é um destes. E engana-se quem possa pensar que clássicos precisem ser sempre densos e difíceis de ler. Este tanto pode ser lido como uma divertida fábula rural em que os animais tomam posse de uma fazenda e passam a administrá-la ou ainda como uma severa crítica aos regimes políticos totalitaristas, sobretudo os soviéticos que serviram de inspiração para Orwell. Particularmente tentei fazer os dois ao mesmo tempo e tive uma ótima experiência de leitura.
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Toda a trama se passa na Granja do Solar, propriedade e lar do sr. Jones, uma típica fazenda do interior da Inglaterra e é lá que os animais cansados da exploração a que são submetidos diariamente pelo homem vão tomar o poder e implementar uma nova ideologia que viria a ser chamada de Animalismo cujos princípios básicos condenam tudo o que possa vir do gênero humano, do comércio ao álcool, das vestimentas ao caminhar sobre duas patas, enquanto busca fortalecer o cooperativismo entre os próprios animais.
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Tudo começa na noite em que sob a convocação do Major, um porco idoso respeitado pelo porte altivo e ganhador de exposições, os animais desta fazenda se reúnem para ouví-lo falar de um sonho que tivera e da visão de vida que descobrira pela longa experiência. É ele quem primeiro expõe os princípios do que viria a ser o Animalismo, denunciando as atrocidades praticadas pelo homem e comentando sobre como a vida destes animais seria melhor sem este fardo: estariam livres de trabalhar além do necessário, não estariam mais sujeitos aos açoites e tampouco passariam fome.
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Mais cedo do que eles esperavam, a revolução predita pelo Major ocorre. Eles se rebelam expulsando o Sr. Jones, sua esposa e os empregados humanos da fazenda e a partir daquele dia se tornam donos de seus próprios destinos, administrariam a fazenda e tudo o que produzissem nela seria para seu próprio benefício. Eles se organizam escrevendo na parede do celeiro sete mandamentos nos quais resumem os princípios do Animalismo que deveriam ser, a partir daquele dia, observados e obedecidos por todos os animais da fazenda. A música Bichos da Inglaterra, cantada primeiramente no dia da reunião com o Major se tornou o hino símbolo de sua nova realidade. Vislumbravam um período de segurança, felicidade e prosperidade.
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Mas o que parecia à princípio ser o paraíso para aqueles animais vai aos poucos sendo corrompido por aqueles que pela inteligência e oportunismo passaram a se ocupar dos cargos de administração da fazenda: os porcos. Temos não só a volta como a intensificação da exploração do trabalho dos bichos, agora promovida por seus iguais que já não são mais tão iguais assim, a alteração no decorrer da história de vários dos sete mandamentos originais do Animalismo, além do racionamento da comida trazendo novamente a fome. Traição, opressão, mentira e dissimulação ganham cada vez mais espaço no cotidiano da fazenda. Alguns sentiriam falta dos tempos do sr. Jones, mas até mesmo o passado parece ter sido alterado...
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O livro foi originalmente escrito como uma crítica mordaz ao sistema comunista implementado na Rússia e tanto os eventos narrados quanto os personagens mais importantes são referências diretas ao que aconteceu naquele país na primeira metade do século passado. O livro ganhou ainda mais notoriedade ao ser utilizado como propaganda anticomunista no auge da Guerra Fria. Contudo, por tratar de temas inerentes à própria humanidade como a exploração de uma classe dominante, a busca pela liberdade e a corrupção pelo poder, ainda encontra correspondência na atualidade sobretudo nos regimes políticos mais autoritários e ditatoriais.
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George Orwell soube dosar bem o drama e o bom humor numa narrativa instigante e linearmente bem estruturada. Acompanhamos os eventos principais ocorridos na Granja do Solar, convertida em Fazenda dos Bichos, com um interesse genuíno ao longo das estações do ano e das viradas de páginas.
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Os personagens antropomorfizados espelham em seu comportamento e características as diversas facetas da sociedade e é um ótimo exercício alegórico para o leitor tentar encontrar esta correlação. Os porcos como os governantes autoritários e oportunistas, o corvo como o líder religioso que alenta o sofrimento com promessas de uma vida melhor num paraíso, o burro cuja experiência de vida o desiludiu de perspectivas melhores tornando-o fatalista e indiferente, os cavalos confiantes cegos na capacidade de seus governantes, não medindo esforços e sacríficios, são crédulos e trabalhadores, as ovelhas servem de marqueteiras para o sistema político, incapazes de pensar por conta própria se contentam em repercutir o discurso de seus líderes. Isto para citar apenas alguns deles, a Fazenda dos Bichos era grande e possuia também vacas, galinhas, gatos, cães, ratos, pombos e outros animais. Todos têm seu momento na narrativa e ficamos ansiosos por conhecer os traços de personalidade de cada um deles. E se precisamos de um vilão para odiar, que seja bem construído, maquiavélico e perversamente inteligente, é na figura do porco Napoleão que o encontraremos.
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Tanto como uma divertida fábula moral quanto como uma acurada sátira política, A Revolução dos Bichos propicia uma ótima experiência de leitura para o leitor, podendo ser lido por crianças e adultos sem distinção. Setenta anos após sua publicação original, este livro ainda mantém em suas páginas um ar inequívoco de contemporaneidade aos dias atuais. Muitos dos questionamentos, conflitos e até a própria indignação experimentados pelos animais também são os nossos. O perigoso jogo de poder e dominação sempre fez parte da história humana e aqui é engenhosamente denunciado de uma forma criativa, acessível e impactante. Uma obra-prima, clássico instantâneo e atemporal cuja leitura é indispensável.