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X-Men: A Saga da Fênix Negra

Surge a Fênix Negra! Reunidos pelo mais poderoso telepata mutante do planeta, o professor Charles Xavier, os Fabulosos X-Men embarcam numa aventura que os leva ao outro canto da galáxia!
Escolhida pela entidade cósmica conhecida como Fênix para ser sua hospedeira, Jean Grey obtém poderes quase absolutos.
Mas todo esse poder cobra seu preço, e a x-man acaba se tornando alvo dos shiars, uma raça alienígena que pretende destruir a Fênix, e tem seus pensamentos manipulados pelo Mestre Mental, que pretende usá-la para atingir seus próprios objetivos malignos.
Com sua mente corrompida, Jean se transforma na Fênix Negra e ameaça consumir o Universo. Agora, os X-Men têm de fazer uma escolha impossível: para salvar toda a existência, eles terão de sacrificar sua amada colega! Este volume de 284 páginas reúne as edições Uncanny X-Men 125 a 137 e The Untoldy Story.
Título: A Saga da Fênix Negra
Autores: Chris Claremont e John Byrne
Editora: Panini / Marvel Comics
Ano: 2015 / Número de Páginas: 284


É impossível para qualquer leitor eventual dos quadrinhos mutantes não tomar conhecimento da Saga da Fênix Negra em algum momento. No meu caso este primeiro contato veio cedo, ainda na infância, enquanto eu devorava com avidez as poucas revistinhas em formatinho da editora Abril que conseguia encontrar num sebo a caminho da escola. Aqueles eram outros tempos, era difícil acompanhar tudo desde o início e alguns eventos eram apenas sugeridos em edições muito posteriores e desconexas. Já mais velho consegui finalmente juntar as peças faltantes do quebra-cabeças e entender a história, com uma grande ajuda de sites especializados e dos scans e mais recentemente, finalmente pude comprar o encadernado com a saga completa.
Quando se trata de quadrinhos com longos anos de publicação é difícil não se perder um pouco na cronologia oficial e talvez eu esteja me precipitando. Basta saber que o período compreendido aproximadamente entre os números de Uncanny X-Men 98 a 137 marcam a fase conhecida como A Saga da Fênix Negra, cujo desenvolvimento resultou não apenas num estrondoso sucesso comercial para a Marvel na época de sua publicação original, como também num dos desfechos mais traumáticos até então já vistos na história dos quadrinhos. Essa fase também é aclamada por dar sobrevida aos títulos mutantes, ao consolidar a parceria entre os roteiros de Chris Claremont e a arte de John Byrne, até hoje lembrada como uma das mais emblemáticas das revistas mutantes.
Na época, Jean Grey já era uma heroína poderosa e experiente, que vinha atuando com seus poderes telepáticos e telecinéticos desde a primeira formação dos X-Men ainda com a alcunha de Garota Marvel. Os poderes e a identidade de Fênix ela adquire ao retornar de uma missão no espaço e ser exposta à radiação oriunda de uma tempestade solar sem precedentes. O esforço para se proteger da radiação é tão grande que ela atinge por um curto espaço de tempo seu potencial máximo, tornando-se um ser de pensamento puro e poderes virtualmente ilimitados. Assim, ao regressar à Terra ela reconstrói seu próprio corpo, num novo uniforme assumindo a identidade de Fênix, nas suas próprias palavras, o fogo e a vida encarnados.
Ao lado de seus companheiros de equipe ela ainda viveria inúmeras aventuras antes do que estava por vir na Saga da Fênix Negra. Numa das mais épicas e cósmicas destas aventuras, ela praticamente sozinha restaura o Cristal M'Kraan, nada mais nada menos do que o artefato que mantém coesas todas as realidades paralelas e o próprio multiverso. Neste processo ela opta por restringir seus poderes a fim de mantê-los em níveis humanamente controláveis. Mas ainda assim, ela permanecia muito mais poderosa do que qualquer um dos outros membros dos X-Men, de modo que os roteiristas optaram por transformá-la numa vilã, oferecendo com isso aos seus antigos companheiros o seu maior desafio, e ainda com o apelo dramático dela também ser uma x-man como eles. A estratégia dos roteiristas é trabalhada aos poucos e a cada novo número vemos Jean Grey sendo claramente mudada e moldada com esta intenção.
Tendo em mente essa contextualização, podemos finalmente adentrar naquilo que é visto especificamente no encadernado dedicado aos momentos culminantes da saga. Enquanto os X-Men lidam com problemas rotineiros de qualquer super-equipe, Jean Grey passa a ter estranhas visões nas quais vê a si mesma como uma aristocrata do século XVIII, casada com Jason Wyngarde. Nestas visões ela e o esposo são integrantes do Clube do Inferno, uma espécie de sociedade secreta elitista cujos líderes exercem forte influência política e econômica. Jean Grey acredita que estas visões repentinas são lembranças de uma de suas antepassadas ou uma espécie de efeito colateral dos poderes da Fênix. Contudo, elas nada mais são do que projeções psíquicas criadas por Wyngard em conjunto com os outros membros do Clube do Inferno com a intenção de confundir, corromper e controlar a mente de Jean, trazendo-a aos poucos para o seu lado, a fim de que ele possa beneficiar-se dos vastos poderes da garota nas atividades ilegais do Clube.
Chris Claremont dá uma verdadeira aula de roteiro prendendo a atenção do leitor a todo instante! Doses certas de introspecção, drama psicológico e diálogos filosóficos se misturam a ação frenética, com ganchos sendo desenvolvidos e explorados a todo instante de forma a conduzir o leitor e a história adiante! Embora eu tenha falado muito mais de Jean Grey até agora, nenhum dos outros personagens é esquecido. O roteirista explora bem as relações, os sentimentos, dilemas e as personalidades próprias de cada um deles ao longo da saga. A forma como cada um interage e lida com as mudanças de Jean também ficam evidenciadas e não raro há conflitos internos no grupo tão ou mais desafiadores quanto qualquer ameaça mutante super-poderosa. Destaque para Scott Summers que tenta retomar o relacionamento com Jean em meio a todas estas mudanças e se firmar como líder dos X-Men na ausência e posterior retorno do Professor Xavier.
Se o roteiro de Claremont dava profundidade aos personagens, a arte de Byrne era responsável por colocá-los em movimento! Algumas das suas soluções para enquadramento e composição de cenas, sobretudo nas de ação intensa e nas com vários personagens num único quadro, ainda hoje trazem um ar de vanguarda. Chamam a atenção também os traços arredondados, a estética oitentista e a forte carga emocional transmitida pelas expressões faciais, sobretudo de as de Jean Grey.
Como as histórias eram publicadas mensalmente havia a necessidade de se incluir nelas recordatórios para situar tanto o leitor que acompanhava vários títulos simultaneamente quanto aquele que chegava ao título pela primeira vez, de modo que apenas neles a trama desacelera um pouco, mas essas páginas são poucas e logo a ação desenrola solta novamente.
Muitas das premissas firmadas e concebidas nesta fase ainda permanecem. Claremont e Byrne deram cor a personagens já existentes e vida a muitos outros, especificamente aqui testemunhamos as primeiras aparições de Kitty Pride (posteriormente Ninfa e Lince Negra), Crystal (uma cantora de disco que mais tarde integraria algumas das equipes de Xavier), Emma Frost (a Rainha Branca do Clube do Inferno é uma importante telepata e até bem pouco tempo atrás mudou de lado, passando a presidir a Escola Xavier) e o próprio Círculo Interno do Clube do Inferno (que continuaria sendo uma pedra no sapato dos nossos heróis em histórias futuras). Além disto a dupla também rompe algumas barreiras da época inserindo uma dose maior de violência e sexualidade implícita e altera o foco predominante nas histórias dos X-Men do conflito racial entre humanos e mutantes para dramas de cunho pessoal e conflitos internos entre os próprios mutantes.
A edição definitiva da Panini engloba as edições originais de Uncanny X-Men dos números 125 ao 137 e traz o especial The Untoldy Story de 1984, com o final original planejado por Claremont e Byrne, mas que foi alterado a mando de Jim Shooter, o editor-chefe da Marvel na época. Particularmente gostei e sofri mais com o final alterado por Shooter. Graficamente o encadernado é impecável (formato grande, páginas em papel couchê brilhante, capa-dura com verniz e cores metalizadas), mas o mesmo não acontece com relação a parte editorial. Infelizmente a revisão deixou a desejar e alguns erros de digitação, palavras e balões trocados saltam aos olhos, comprometendo ligeiramente a qualidade do encadernado ainda que seja possível usufruir da leitura sem grandes contratempos. Como extras a edição ainda traz uma Introdução, escrita em 2004 pelo próprio Chris Claremont e Os Arquivos da Fênix Negra, uma espécie de bate-papo entre a equipe criativa responsável pela saga, onde discutem, entre outras coisas, sobre o destino de Jean Grey enquanto Fênix.
Assim como O Retrato de Dorian Gray, a Saga da Fênix Negra é uma história que trata basicamente da corrupção da alma humana pela vaidade e pelo poder, mas ao contrário do romance de Wilde, nele há espaço para redenção e ela ocorre duma forma chocante e surpreendente. Sem dúvida este este é um dos melhores arcos dos X-Men, conduzido de forma extraordinária ao longo de várias edições com o denso e dinâmico roteiro de Claremont e a icônica arte de John Byrne. A canção da Fênix ainda hoje ecoa pelo universo dos quadrinhos, animações e filmes da Marvel, o que torna este arco indispensável para qualquer amante das produções da Casa das Ideias.