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O Retrato de Dorian Gray


Escrito em 1890, este romance de Oscar Wilde talvez seja até mais atual agora do que em seu lançamento. O culto à aparência física e à eterna juventude deixou de ocupar apenas alguns estetas e aristocratas, como ocorria no fim do século XIX, para se transformar em fenômeno de massa. No esplendor da juventude, Dorian Gray posa para um quadro, e lamenta que, com o passar dos anos, perderá a beleza ali retratada. Ou será que não? Um pacto diabólico está em curso.
Célebre em sua época pelo apuro das roupas, pelo brilho das frases e pelo escândalo em torno de sua homossexualidade, Oscar Wilde (1854-1900) reúne nesta fábula, simples e profunda, aspectos contrastantes de sua personalidade como literato e pensador. Contestando a rigidez vitoriana e a feiura da sociedade industrial, O retrato de Dorian Gray também põe em questão as ideias estetizantes e refinadas que seu autor sabia desenvolver como ninguém. - Marcelo Coelho Colunista da Folha
A Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura traz ao público 28 ilustres autores da literatura mundial cujos clássicos marcaram gerações de leitores. Entre eles estão Machado de Assis, Fernando Pessoa, Eça de Queirós, Oscar Wilde, Virginia Woolf, Joseph Conrad, Tolstói e outros renomados autores.
Título: O Retrato de Dorian Gray
Título Original: The Picture of Dorian Grey
Coleção: Folha Grandes Nomes da Literatura #06
Editora: Folha de S. Paulo
Autor: Oscar Wilde
Tradução: Jorio Dauster
Número de páginas: 176


Imagino que não exista pessoa que não tenha ainda se deparado ao menos uma vez na vida com uma citação de Oscar Wilde, todas elas quase sempre marcadas por uma fina ironia e um delicioso cinismo. Mas claro que Wilde é muito mais do que o autor de frases e aforismos geniais. Poeta, contista, dramaturgo e romancista, este escritor versátil é considerado um dos mais importantes autores ingleses do século XIX, e expoente da transição do conservadorismo vitoriano para a vanguarda modernista. Seu único romance e também a sua obra prima, O Retrato de Dorian Gray é um clássico da literatura universal vindo a influenciar posteriormente diversos outros autores, entre eles nomes como Borges, Fitzgerald e Joyce, e ainda hoje conserva-se atual em muitas das suas premissas.
O romance conta a história de Dorian Gray, um jovem aristocrata de extraordinária beleza, que posa para um quadro de corpo inteiro feito por Basil Hallward, um pintor talentoso que acredita ter descoberto na beleza do rapaz uma nova modalidade artística, ao transportá-la para a sua arte por meio de seu talento e paixão. No ateliê de Basil, Dorian conhece Henry Wotton cuja filosofia de vida hedonista logo o deixa fascinado com sua figura. Henry Wotton crê que a busca constante por diferentes tipos prazer é a única coisa que faz a vida ter sentido e realmente valer a pena. Wotton é um bon vivant, um apreciador de tudo que é belo e prazeroso e busca desfrutar ao máximo sua vida. Influenciado pelas palavras de Henry e após contemplar sua própria beleza e juventude no quadro pintado por Basil, Dorian lamenta que um dia tudo terá passado, manifestando inveja e ciúmes do quadro que, ao contrário dele, se manterá para sempre jovem e belo. Num arroubo impensado ele manifesta o desejo de vender sua própria alma para inverter esta situação, de modo que o quadro, e não ele, envelheça. Por uma razão inexplicada o desejo de Dorian é atendido e logo ele percebe que não importa quais pecados e depravações cometa, a sua beleza se conserva intacta e intocada, ao passo que o quadro aos poucos vai se tornando uma coisa de horror abominável, acumulando em sua tela toda a velhice e as marcas dos atos mais vis de Dorian.
A trama se concentra principalmente em torno destes três personagens e a sua complexidade maior está muito mais nos diálogos profundos e nas relações que eles estabelecem. Os elementos fantásticos e sobrenaturais do romance são artifícios narrativos para elaboradas discussão de temas universais tais como a beleza, a estética artística, a vaidade, a moral e a sexualidade. No início Basil é o amigo em comum de Dorian e Henry, mas assim que ambos se conhecem no ateliê do artista, são atraídos de um modo arrebatador e passam a se encontrar em todos os eventos sociais que frequentam. Basil em determinado momento é deixado de lado, mas continua admirando e se preocupando verdadeiramente com Dorian. Henry Wotton poderia ser considerado o ardiloso grande vilão da trama, pois além de ter afastado Dorian e Basil um do outro, ainda é o principal responsável pela mudança sofrida por Dorian ao longo do livro. De um jovem frágil e de mente inocente, dono duma beleza indiscutível mas mal aproveitada, Wotton, de certa forma, transforma Dorian num homem versado nas mais diversas artes, mas egoísta, adepto de comportamentos dos mais amorais e depravados em nome do hedonismo, capaz de manipular, mentir e talvez até de matar quem quer que seja se isso lhe for conveniente.
Pela polêmica e escândalo causados na época de sua publicação original, a obra sofreu censura dos editores e foi posteriormente modificada pelo próprio Wilde e assim, existem ao todo três versões da mesma. A edição que li integra como sexto volume a Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura e traz o manuscrito original, sem censura e alterações posteriores, que permaneceu inédito na forma de datiloscritos por mais de 120 anos. Apesar de contar com a mesma tradução de Jorio Dauster, a edição da Folha não traz os mesmos conteúdos extras da edição da Biblioteca Azul, o que é uma pena! A versão mais difundida da obra é a modificada pelo próprio Oscar Wilde, publicada em 1891 na qual ele amenizou o tom polêmico e alongou a narrativa que passou de treze para vinte capítulos.
As sensações que este livro me causaram variaram enormemente, desde o fascínio com a descrição feita da beleza de Dorian transposta por Basil para o quadro, até o choque ao me defrontar com a corrupção da alma humana desencadeada com coisas tão simples que vão duma conversa, à contemplação de uma quadro ou a leitura de um livro. Pelo tom mais implícito do que explícito adotado pelo autor para abordar as depravações de Dorian, apenas no final foi que realmente percebi o quão corrompido ele se tornou ao virar as costas para a única pessoa que realmente se importou com ele. Apesar de toda a polêmica que o envolve, ao menos com o olhar de hoje, o livro está longe de chocar pelas simples insinuações de relacionamentos homoafetivos vividos pelos seus protagonistas, o que naquela época foi considerado um escândalo. Me pergunto se aqueles críticos se atentaram para aquilo que o livro realmente denuncia como uma obscenidade, a citar a amoralidade e a hipocrisia da aristocracia vitoriana ao exaltar como seus maiores valores o puritanismo e a intolerância. É tão mais fácil enxergar a decadência no outro (ou num quadro), enquanto ignoramos o fato de que ela está na verdade em nós mesmos...
O Retrato de Dorian Gray é um clássico e por si só já dispensa recomendações. A prosa de Wilde embora seja sofisticada, rica em detalhes de época, em metáforas e questionamentos de cunho filosófico, consegue manter o leitor preso aos eventos que narra e curioso quanto as atitudes de seus personagens e ao desfecho que estes terão. É impossível não sair um pouco bagunçado internamente após a sua leitura. Este é o tipo de livro que eu recomendaria a todos indistintamente e com a total convicção de ele vá agradar uma variada gama de leitores. Segundo o próprio Wilde, "A vida é apenas um tempinho horroroso cheio de momentos deliciosos." e lê-lo com certeza é destes momentos deliciosos!