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O Planeta Dos Macacos

Em pouco tempo, os desbravadores do espaço descobrem a terrível verdade: nesse mundo, seus pares humanos não passam de bestas selvagens a serviço da espécie dominante... os macacos. Desde as primeiras páginas até o surpreendente final – ainda mais impactante que a famosa cena final do filme de 1968 –, O planeta dos macacos é um romance de tirar o fôlego, temperado com boa dose de sátira. Nele, Boulle revisita algumas das questões mais antigas da humanidade: O que define o homem? O que nos diferencia dos animais? Quem são os verdadeiros inimigos de nossa espécie? Publicado pela primeira vez em 1963, O planeta dos macacos, de Pierre Boulle, inspirou uma das mais bem-sucedidas franquias da história do cinema, tendo início no clássico de 1968, estrelado por Charlton Heston, passando por diversas sequências e chegando às adaptações cinematográficas mais recentes. Com milhões de exemplares vendidos ao redor do mundo, O planeta dos macacos é um dos maiores clássicos da ficção científica, imprescindível aos fãs de cultura pop.
Título: O Planeta dos Macacos
Autor: Pierre Boulle
Editora: Aleph
Lançamento: 2015
Páginas: 216


Creio que não será exagero algum dizer que foram as 200 páginas mais surpreendentes que já tive o prazer de ler até hoje! Nem mesmo ter visto recentemente um remake do clássico filme de 1968, cuja inspiração veio deste livro, teria me preparado para o que li aqui. Recentemente relançado no Brasil pela editora Aleph, O Planeta dos Macacos de Pierre Boulle é tudo menos previsível e me prendeu e fascinou de uma maneira que poucos livros e autores são capazes de fazer. Desde a ideia original e brilhante de por em conflito essas duas espécies que compartilham de um ancestral comum até o desenvolvimento e a conclusão, o livro é um verdadeiro deleite para fãs de ficção científica, distopias e críticas sociais.
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O Planeta dos Macacos começa mostrando um futuro longínquo, no qual o turismo espacial já será algo tão banal quanto hoje é pegar um carro e cair na estrada nas férias. Somos apresentados a um casal, Jinn e Phillys, aproveitando uma destas típicas viagem de férias à bordo de uma futurística nave espacial. Enquanto contemplam a vastidão do vazio e do Universo que os cerca, eles se deparam com um inusitado objeto vagando pelo espaço: uma garrafa de vidro com uma mensagem dentro, como aquelas lançadas ao mar pelos náufragos da Terra. Numa manobra que me remeteu a uma pescaria espacial eles capturam essa garrafa, deitam-se no chão da nave e avidamente se põem a ler aquela mensagem.
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Descobrimos que ela contém um relato escrito pelo jornalista francês Ulysse Mérou. Em primeira pessoa ele nos conta como embarcou numa viagem para a estrela Betelgeuse na constelação de Órion como membro da tripulação do Professor Antelle. Chegando lá em menos de dois anos devido a um sistema pioneiro de deslocamento que envolve aceleração e frenagem em velocidades superiores às da luz, eles encontram um planeta (Soror era seu nome, como mais tarde teriam a oportunidade de descobri) com condições de suporte à vida muito semelhantes às da Terra e decidem rapidamente pousar em sua superfície para fazer observações e conduzir suas pesquisas. Eles aterrissam em uma área de florestas e teoricamente desabitada. Num dado momento de sua exploração por aquele terreno eles se deparam com uma nativa daquele planeta. Para o mais absoluto espanto da tripulação, ela é tão humana quanto eles, está suja e completamente nua e os observa com curiosidade. Eles logo notam que ela não está plenamente consciente do mundo que a cerca e que seu comportamento está mais para o de um animal do que para um humano da Terra e Ulysse a batiza de Nova. Para seu infortúnio, os membros da tripulação são perseguidos e capturados por uma companhia de caça formada por seres simiescos juntamente com alguns dos membros da tribo de Nova.
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Em cativeiro Ulysse passa a relatar a experiência de ser tratado como um animal, mas está disposto a provar àqueles macacos que é tão inteligente e capaz quanto qualquer um deles. Essa é apenas uma breve sinopse do que é visto nas primeiras 50 páginas do livro e não representam uma ínfima parte das descobertas, conflitos e desafios pelos quais Ulysse terá de passar.
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Muito mais do que meros humanos vestidos de macacos, os habitantes de Soror idealizados por Boulle demonstram ter uma cultura e todo um modo de agir e pensar bem característicos e naturais de sua contraparte símia terrestre, tendo inclusive um jeito, que a nós pode realmente parecer alienígena, de caminhar e bater palmas com os quatro membros simultâneamente. A divisão da sociedade símia se dando de acordo com as características naturais das três principais espécies: gorilas, orangotangos e chimpanzés também é um ponto acertado tanto por permitir que façamos uma correlação satírica entre a sociedade deles e a nossa no início do século XX, quanto por acrescentar uma maior diversidade às personalidades e aos conflitos experimentados por eles. Em Soror, os gorilas dominam pela força, são mais ingnorantes mas exercem boa parte dos cargos de autoridade e presidência de empresas e instituições. Os orangotangos são definidos como a ciência oficial daquele planeta, sendo pomposos e cheios de si, são pouco abertos às mudanças e questionamentos contentando-se em repetir as verdades antigas e tidas como absolutas. Já os chimpanzés embora sejam os mais submissos entre as três espécies, detém toda a vanguarda do pensamento e da ciência, são criativos e realmente inovadores.
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É pelos olhos e pelo relato de Ulysse que pouco a pouco vamos construindo nossa visão da sociedade de Soror e entendemos que o estranho é um humano falar, sorrir e pensar e não um chimpanzé. Provamos toda a frustração e perplexidade do protagonista a cada indagação que faz diante daqueles fatos. Poderia ele, o ápice da criação, o senhor do universo, o homem se curvar a meros macacos aceitando de bom grado torrões de açúcar e afagos como se não passasse de um animal de estimação? Spoiler: sim, poderia!
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Talvez o único ponto negativo e que tenha me deixado incomodado tenha sido a fraca representação e caracterização das figuras femininas: Phillys e Nova são extremamente rasas e são tratadas como um mero adereço da trama. A dra Zira, mesmo com a importância que adquire ao perceber a condição peculiar de Ulysse e sendo uma pesquisadora notável e inteligente, acaba sendo relegada em várias situações à simplória condição de noiva submissa. Vi nas três um potencial desperdiçado.
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Contudo todo o desenvolvimento é espetacular e o desfecho nos brinda com mais de um ponto de virada que me deixaram simplesmente embasbacado ao ler. Só me restou rir atordoado com aquelas súbitas mudanças de perspectiva habilmente incluídas pelo autor no livro. É uma leitura que facilmente te tira da sua zona de conforto e o faz questionar todo o status quo social.
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O livro é carregado de questionamentos filosóficos, éticos e sociais e indubitavelmente o fará parar para pensar e repensar toda a condição humana: Onde está o nosso limite entre a racionalidade e a bestialidade? Como seríamos vistos aos olhos de outras criaturas inteligentes? Somos mais dignos por pretensamente termos uma alma racional? Que limites devemos impôr à nossa ciência com relação às experiências com outros animais? Qual a função da caça? Porque continuamos a subjugar espécies menos favorecidas mesmo quando já não precisamos mais delas? Não importando que personagem tomemos como referência, seja homem ou macaco, estas perguntas logo começam a pipocar em nossa mente durante a leitura.
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A recente edição da Aleph vem com alguns extras que complementam muito o texto principal entre elas uma entrevista concedida pelo autor ao periódico Cinefantastique poucos anos após o lançamento da primeira adaptação cinematográfica, uma matéria jornalística da BBC contando mais da vida do francês quase desconhecido que idealizara uma das mais aclamadas franquias do cinema, além de um posfácio de autoria do estudioso brasileiro Braulio Tavares, no qual ele compara o gênero de ficção científica francês e o norte-americano com comentários deliciosos sobre o pioneirismo da obra O Planeta dos Macacos. Todo o projeto gráfico do livro é digno de nota e o formato, com os cantos das páginas arredondadas, me remeteu muito a um daqueles cadernos de uma famosa marca italiana.
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O Planeta dos Macacos é uma provocação inquietante ao gênero humano, que nos instiga a fazer um peculiar exercício de empatia num livro curto, inteligente e surpreendente. Um clássico indispensável capaz de paradoxalmente trazer à tona e lado a lado o nosso lado mais bestial e também àquele que mais nos torna humanos. Vale muito a leitura!