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Orange

No primeiro dia de aula do 2º ano do ensino médio, a tímida Naho Takamiya recebe uma misteriosa carta endereçada a ela, datada de 10 anos no futuro. O seu conteúdo relatava com detalhes minuciosos e comentários pertinentes todos os acontecimentos do dia de Naho, e qual a surpresa, não só o que estava escrito realmente acontecia como também o remetente era ela mesma. O objetivo da carta era direcionar a “Naho do presente” a impedir o maior arrependimento da vida da “Naho do futuro”: o suicídio de Kakeru Naruse, o primeiro amor da garota. Como essas cartas chegam até Naho? Por quê Kakeru irá se matar? E o mais importante: será mesmo que saber o que vai acontecer ajuda a impedir o futuro de outra pessoa?
Título: Orange
Autora: Ichigo Takano
Tradutor: Naguisa Kushihara
Editora: JBC / Ano 2015
Acabamento: 13,5 x 20,5 cm, papel offset, tankobon, ~220 págs


Lembro que o anúncio de publicação de Orange no Brasil pela editora JBC em 2015 foi bastante comemorado pela comunidade de leitores de mangás e de ter ficado bem curioso com sua história. Originalmente publicado no Japão pela revista shoujo Bessatsu Margaret (Shueisha) a partir da edição de abril de 2012, a série em mangá de Ichigo Takano fez um enorme sucesso, mas acabou entrando em hiato a partir de dezembro do mesmo ano, devido a problemas de saúde da autora. Alguns anos depois, em 2014, Orange foi retomado, passando a ser publicado na Monthly Action, da editora Futabasha e sendo finalizado em 2015 com um total de 5 volumes encadernados. Como comumente ocorre com os mangás de grande sucesso, Orange também recebeu adaptações em anime e em live-action.
Na trama, Naho Takamiya, uma estudante do segundo ano do colegial recebe em seu primeiro dia de aula uma suposta carta enviada por uma versão de si mesma, só que dez anos no futuro. A carta narra acontecimentos dum futuro próximo e traz orientações de como a Naho do presente deve agir para evitar arrependimentos que a Naho do futuro gostaria que ela não vivenciasse. A carta fala em culpa e em remorso e diz que Naho deve se esforçar ao máximo para salvar Kakeru Naruse, um novo aluno recém chegado de Tóquio e aquele que também virá a se tornar o primeiro grande amor da garota. A princípio ela acha isso bastante estranho e até pensa que é um trote de mal gosto, mas conforme os relatos da carta se tornam fatos e acontecem realmente, Naho passa a confiar totalmente no que a sua “eu” do futuro diz. Ela decide mudar a si mesma e alterar o futuro para salvar Kakeru de um acidente iminente, evitando assim o arrependimento relatado pela Naho do futuro. O primeiro pedido da carta é que ela e os amigos não convidem o Kakeru para nada depois da aula, não importa o que aconteça, naquele dia ele deveria voltar pra casa sozinho. Convidá-lo seria o estopim para arrependimentos amargos, mas eles não tinham como saber da gravidade disto no momento e não puderam evitar ser simpáticos com o novo amigo.
Em torno das cartas e das orientações que elas dão para a Naho do presente, desenvolve-se a maior parte da trama ao longo dos cinco volumes originais. O cotidiano escolar repleto de atividades extra classe, a relação de amizade entre Naho e seu grupo composto por Suwa, Azu, Takako e Hagita, e o surgimento de um tímido romance com Kakeru, além da participação de todo o grupo de amigos de Naho na missão de salvá-lo dão ainda mais corpo à premissa básica. Alguns dilemas logo surgem, Naho começa a se perguntar até que ponto ela tem o direito de intervir e mudar o destino de uma pessoa, ou o quanto ela deixa o conteúdo da carta influenciar suas decisões. Paralelamente, e em outra linha temporal, acompanhamos o mesmo grupo de amigos, dez anos mais velhos e sem a presença de Kakeru entre eles. Além disso, neste futuro que eles querem evitar, também descobrimos que Naho está casada com Suwa, que foi quem a apoiou e ajudou a superar a morte do Kakeru e seguir em frente.
A arte de Takano Ichigo é simples, mas bastante expressiva e abusa bastante, mas com competência do recurso de super deformed (sd), trazendo leveza e comicidade ao enredo, que num tom geral é bastante fluido e divertido, e sem a incômoda e desnecessária presença de “fanservice”. Os sorrisos de seus personagens são tão sinceros que nos fazem rir junto durante a leitura. Destaque para as artes de capa, coloridas com pigmento e tinta guache, e para alguns dos cenários cujas referências visuais vieram de fotos de Matsumoto, a cidade da autora e também onde se passam os eventos de Orange. Exceto pela inversão de nome e sobrenome da autora na lombada do quinto volume,não notei quaisquer outros erros gráficos ou de revisão durante a leitura e as edições seguem o padrão habitual dos demais mangás da JBC, com capa em cartão e miolo em papel offset. Um spin off (e sexto volume) recontando a mesma história, mas agora do ponto de vista do Suwa, está para ser lançado em breve no Brasil, enquanto no Japão encontra-se em produção de um sétimo volume. Mas apenas os volumes originais já são suficientes para você apreciar de forma plena e satisfatória a história. O mangá ainda traz em suas páginas finais uma outra história como extra, Haruiro Astronaut: Astronauta Cor de Primavera que basicamente aborda com muito bom humor os romances escolares de uma dupla de irmãs gêmeas.
A aparente simplicidade e o bom humor da trama, de Orange esconde uma certa profundidade por explorar além das mágoas e dos arrependimentos dos personagens, temas bem mais densos e espinhosos tais como a depressão e o suicídio. Há um momento de intensa emoção em que pela perspectiva de Kakeru e em retrospecto vemos o quanto cada esforço dos amigos para se aproximarem dele fez diferença na vida do rapaz. Chega a ser um pouco paradoxal que o mangá aborde depressão e suicídio, mas a autora conduz a trama com uma dose equilibrada de leveza e bom humor em contraste com os dilemas pesados e uma forte carga emocional. Há uma explicação plausível envolvendo multiversos e diversas linhas temporais para explicar como as cartas podem chegar do futuro. Essa era uma dúvida que tive desde que li a sinopse e fiquei satisfeito com a forma como a autora justifica o uso do recurso da viagem no tempo aqui.
Com uma história que cativa pela simplicidade e pelas fortes emoções que desperta, Orange tanto diverte quanto emociona. Não é difícil se afeiçoar aos seus personagens, tampouco ao drama e a história que eles vivenciam. A vontade é de nos esforçarmos juntos para tornar cada dia da vida de Kakeru um pouco mais especial, aliviando-o do fardo pesado da culpa e do remorso que ele carrega sozinho. O mangá me fez pensar que em casos como o de Kakeru deixar para amanhã pode ser tarde demais. Foi com lágrimas nos olhos que fechei o último volume, pensando não apenas em tudo o que já deixei de fazer, mas também de como gestos e atitudes tão simples podem significar muito para quem precisa ou encontra-se fragilizado como o protagonista naquele momento. A maior lição de Orange é justamente a de que devemos nos esforçar ao máximo para estarmos e sermos presentes na vida daqueles por quem verdadeiramente nos importamos e de que não precisa ser nada fantástico ou impossível, um conselho, uma conversa, um convite ou uma gentileza já são o suficiente. Simples, tocante, gostoso de ler e tão doce e radiante quanto a fruta e a cor que lhe emprestam o nome, assim é Orange e recomendo!