BEM-VINDO VIAJANTE! O QUE BUSCA NO MULTIVERSO?

A Arte de Pedir

Cantora e compositora, ícone indie, feminista, agitadora e mobilizadora de multidões online: Amanda Palmer é um retrato perfeito da boa conexão entre o artista e seu público.
Após desligar-se de sua gravadora, Amanda recorreu ao então recém-lançado Kickstarter, site de financiamento coletivo, para conclamar os fãs a colaborar financeiramente para a produção do próximo álbum de sua banda. O projeto arrecadou mais de 1 milhão de dólares, recorde que chamou atenção tanto da imprensa como da indústria fonográfica. Desse episódio surgiu o convite para uma celebrada palestra nos TED Talks. O tema: saber pedir.
Desdobramento inevitável da palestra homônima, o livro A arte de pedir trata essencialmente de recorrer ao outro, sem temor, sem vergonha e sem reservas. Por que não pedimos ajuda, dinheiro, amor, com a mesma naturalidade com que pedimos uma cadeira vazia num restaurante ou uma caneta, na rua, para fazer uma anotação? Pedir é digno e necessário, e é a conexão entre quem dá e quem recebe que enriquece a vida humana, defende Amanda. Longe de ser um manual sobre como pedir, o livro é uma provocação bem-vinda e urgente, que incita o leitor a superar seus medos e admitir o valor de precisar e doar ajuda, sempre.
Título: A Arte de Pedir, ou Como Aprendi a Não me Preocupar Mais e a Deixar as Pessoas Ajudarem
Título Original: The Art of Asking, or How I Learned to Stop Worrying and Let People Help
Autora: Amanda Palmer
Editora: Intrínseca
Tradução: Denise Bottmann
Ano: 2015 / Número de páginas: 304


A Arte de Pedir de Amanda Palmer foi encomendado por uma editora devido ao sucesso duma palestra da artista no TED Talks, ao qual fora convidada para falar da sua filosofia de vida, que a levou a arrecadar uma quantia recorde numa campanha de financiamento coletivo via Kickstarter. É com vergonha que admito ter conhecido Amanda Palmer primeiro como a “esposa de Neil Gaiman”, é com vergonha que admito não saber reconhecer e valorizar como se deve um trabalho artístico sendo realizado bem diante dos meus olhos como é o caso dos artistas de rua e é com vergonha que admito não saber pedir e aceitar ajuda. Ao menos não até conhecer Amanda e a sua filosofia de vida, algo tão simples e que pode abrir os nossos olhos para inúmeras oportunidades de conexão que perdemos diariamente por motivos banais. A Arte de Pedir é sobretudo um convite para viver de forma mais espontânea, mais autêntica e sem ressalvas, mais como Amanda Palmer.
E como é difícil definir quem ela é, mas tentemos. Amanda é cantora, musicista e compositora e despontou para a fama como vocalista e pianista da banda The Dresden Dolls ao lado do seu amigo guitarrista e baterista, Brian Viglione. Posteriormente ela também se lançou em carreira solo e atuou como integrante de outras bandas, inclusive como uma das “metades” da dupla Evelyn Evelyn e como vocalista da The Grand Theft Orchestra. Amanda também é reconhecida como um ícone indie, com seu estilo musical que ela mesma define como punk cabaré, e também como uma influente ativista do feminismo e por seu engajamento online, capaz de efetivamente mobilizar uma multidão de fãs através do Twitter.
Depois de desavenças com a sua gravadora, sobretudo pela forma como ambos enxergavam o público da banda, Amanda decide se lançar num projeto de financiamento coletivo, deixando assim que as pessoas paguem pela sua música. Para ela, o que mais importava em sua carreira eram as histórias e os laços formados entre banda e público, o que favorecia um crescimento lento, mas contínuo como num relacionamento de longo prazo, que transcende a visão simplista do mercado fonográfico que preza por resultados mais imediatos, focados em posicionamento das faixas nas paradas musicais e na venda de álbuns. Na época a prática de recorrer ao financiamento coletivo ainda era uma novidade, mas acreditando haver nele uma forma autêntica de conectar artista e público, Amanda pede para que seus fãs apoiem o projeto com o objetivo de financiar a produção do novo álbum da banda, de forma totalmente independente. O projeto foi um sucesso, arrecadando uma quantia recorde que chamou a atenção tanto da imprensa quanto da própria indústria fonográfica. Desta experiência surgiram tanto a aclamada palestra de Amanda para o TED Talks quanto o livro A Arte de Pedir, ambos sobre como pedir e sobre como deixar as pessoas ajudarem.
O livro é um misto de relato biográfico, um estudo de caso de sucesso, um manifesto sobre um estilo e uma filosofia de vida, tudo isso junto e narrado de forma entusiasmada pela própria Amanda cuja vida é repleta de momentos pra lá de interessantes e curiosos, com seus altos e baixos. Impossível não destacar o momento em que ela fala de seu primeiro trabalho artístico como estátua viva em Cambridge, no qual, vestida de noiva sobre caixotes de plástico e completamente imóvel ela via a vida urbana passar em sua rotina frenética e, alguma vezes, parar diante dela, tentando entender o que aquela garota fazia ali, o que ela queria, quem ela era, porque ficava ali e alguns casos, julgá-la e ofendê-la da maneira mais cruel possível: insistindo para que ela arrumasse um emprego de verdade. Mas aquele era o emprego dela, ela estava sendo paga pela sua arte performática e pelos momentos de reconhecimento em que alguns anônimos na multidão de passantes se reconheciam na figura trágica da noiva que ela encenava sobre os caixotes e que devido ao sucesso, foi levado em turnê por Amanda por diversas cidades e países.
A biografia de Amanda toca de forma especial as pessoas que se sentem invisíveis e solitárias em meio a multidão. Adorei saber melhor como é a experiência dos artistas de rua, o que eles almejam enquanto estão lá a entregar gratuita e diariamente a sua ARTE e o que esperam de nós o público que passa, as vezes nem notando o que eles estão fazendo ali, seja pela pressa ou por falta de empatia, ou o que pára para observar curioso e às vezes deixa alguns trocados no chapéu mesmo sem saber direito porque fez isso. É difícil entender com uma lógica comercial que nos é tão arraigada o que tal gesto em essência representa para artista e público. Não se trata de caridade, de pena, não é uma espécie de esmola ou doação. É mais do que isto! Amanda explica que o trabalho artístico é um trabalho como qualquer outro, mas o pagamento que ela recebe é pela conexão que cria ali, naqueles poucos momentos em que os olhares de ambos se encontram e uns são notados e reconhecidos pelos outros, artista e público. Para algumas pessoas, sobretudo nas grandes cidades esse talvez seja o único momento autêntico em que eles não serão só mais um na multidão, alguém soube que eles existem, estão vivos, sentem e estão ali, alguém se importou em lhes entregar uma flor, em sorrir, ou simplesmente acenar para eles. A experiência como noiva foi fundamental para Amanda compreender isto e levar para os palcos como cantora, é o seu combustível e é para isto que ela se entrega tão livre e espontaneamente. Ela sabe que pode confiar em seu público da mesma forma que eles confiam nela.
Por mais que pedir ajuda nos faça parecer frágeis e seja um ato extremamente difícil para boa parte das pessoas, Amanda demonstra através de diversos exemplos como tal atitude sempre esteve presente em sua vida e foi fundamental para que ela alcance o sucesso, conectando-se de maneiras impensáveis com seu público, milhares de admiradores em todo o mundo. Ela defende que pedir é digno e necessário, que é um gesto que liga tanto quem dá quanto quem recebe tornando a experiência de vida mais humana e que não deveríamos nos envergonhar disso em momento algum.
A Arte de Pedir é, em resumo, esta conversa espontânea e sincera sobre os aspectos profissionais, artísticos e pessoais de Amanda que ao falar de si, é capaz de rapidamente nos levar a ter empatia por sua pessoa, sua arte e seu modo de encarar as coisas. Amanda se saí muito bem em sua prosa, sempre bem humorada em seu texto, ela faz a leitura parecer um agradável bate-papo, dividido, ao invés de capítulos, por fotos das suas performances e letras das suas canções. A Arte de Pedir é mais sobre a vivência de uma artista talentosa, e principalmente de uma pessoa que acredita em si, em seu trabalho e em sua arte e apesar de seu subtítulo sugerir o contrário, este não é um livro de autoajuda, mas você pode sim acabar sendo ajudado de alguma forma por ele.
Em nossa busca incessante por afeto, reconhecimento e conexão, num mundo que parece querer nos isolar cada vez mais, contar com a ajuda espontânea e desinteressada uns dos outros é fundamental para continuarmos sendo humanos. Amanda ensina a fazer e a aceitar isto da melhor maneira possível, de peito aberto e sem ressalvas. Mesmo sem conhecer de antemão um único verso de suas composições, mesmo sem saber de seu ativismo como ícone feminista e mesmo sem ter tido contato com a comunidade online que ela movimenta diariamente através de sua conta no Twitter, me senti extremamente próximo de Amanda Palmer e vi em A Arte de Pedir um tipo de sabedoria e de olhar mais profundo para o mundo que até então me faltava. Fiquei feliz por ter aceitado a flor, as rosquinhas e a ajuda que ela me ofereceu, mesmo sem saber, ao escrevê-lo.