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O Coração das Trevas

Como oficial da Marinha Mercante, Joseph Conrad (1857-1924) viajou pelo interior do Congo em 1890. A brutalidade do colonialismo belga naquela região, chocante até para os padrões da época, despertaria protestos de jornalistas e escritores como Mark Twain e Conan Doyle. No romance O coração das trevas, publicado em 1899, Conrad não faz apelo a cenas de impacto.
A história do capitão Maslow, a bordo de um precário navio que se embrenha no interior da África, parece cercada sobretudo de uma névoa de desentendimento, de alusão e desmemória. Trata-se de ir em busca de um certo Kurz, de quem todos elogiam a inteligência excepcional. Encarregado de dirigir a exploração do marfim no mais distante posto da companhia, Kurz deixou de dar notícias; rumores sobre cultos bárbaros e sobre seu colapso moral e mental acompanham a lenta viagem do narrador. Ele descobre não só a fragilidade da civilização europeia, mas também o terror à espreita na alma de cada um. Marcelo Coelho Colunista da Folha
A Coleção Folha Grandes Nomes da Literatura traz ao público 28 ilustres autores da literatura mundial cujos clássicos marcaram gerações de leitores. Entre eles estão Machado de Assis, Fernando Pessoa, Eça de Queirós, Oscar Wilde, Virginia Woolf, Joseph Conrad, Tolstói e outros renomados autores.
Título: O Coração das Trevas
Título Original: Heart of Darkness
Coleção: Folha Grandes Nomes Da Literatura (vol.19)
Editora: Folha de S.Paulo
Autor: Joseph Conrad
Ano: 2016 / Páginas: 111


"Antes do Congo eu era um mero animal" Atribuída ao autor Joseph Conrad, escritor britânico de origem polaca, após uma traumática estadia como oficial da marinha mercante no Congo Belga em 1890, esta frase faz referência à verdadeira noção de humanidade que ele adquiriu após presenciar todo o horror e a brutalidade do imperialismo nas colônias das potências européias na virada dos séculos XIX para XX na África. Além dessa profunda mudança em sua visão de mundo e percepção de humanidade, tal experiência também lhe serviu de inspiração para aquela que viria a se tornar a sua obra mais famosa, O Coração das Trevas, publicado originalmente em 1899 e hoje tida como um dos grandes clássicos do século passado.
Nela, acompanhamos a viagem do protagonista Charles Marlow, um jovem inglês movido pelo desejo de aventura e ambição, recém contratado por uma companhia de comércio belga como capitão de um barco à vapor, aos territórios das colônias africanas. A viagem tinha como objetivo principal o transporte de preciosas cargas de marfim e outras especiarias rio abaixo, mas Marlow acaba recebendo também a urgente missão de procurar e resgatar o Sr. Kurtz, um dos mais importantes e famosos administradores dos entrepostos coloniais. Kurtz deixou de dar notícias há meses e seu real paradeiro é desconhecido e estranhamente parece ser ignorado por todos na região. Boatos de que ele teria fundado em plena selva uma comunidade própria aumentam o suspense e o mistério que cercam o homem outrora elogiado pela inteligência excepcional ao passo que as dificuldades logísticas envolvidas no deslocamento complicam a missão transformando aos poucos a aventura de Marlow num verdadeiro inferno.
Há de se ressaltar a beleza minuciosa do texto de Conrad. Sua prosa faz com que sintamos a presença avassaladora e selvagem da floresta enquanto descemos o rio congolês num barco a vapor com seus personagens. Uma atmosfera densa, sufocante e opressiva é criada e parece pesar sobre nós, nos atraindo página após página para mais e mais fundo, rumo ao coração das trevas, uma metáfora simbólica tanto do interior inóspito e desconhecido das selvas africanas quanto ao verdadeiro refúgio do mal na alma humana, expresso sobretudo na sua conduta violenta de dominação.
Aos olhos de hoje é impossível não se incomodar com a forma como são representados e com o pouco enfoque dado aos povos nativos da África na narrativa, mas o livro tem grande êxito, sem apelar à comoção banal das cenas de impacto, em tecer uma crítica pertinente ao sistema colonialista e a visão da Europa como o grande bastião civilizatório e balizador moral da humanidade em voga na época. Durante a leitura fica claro que civilização e barbárie nada mais são do que facetas dicotômicas e cruéis duma mesma moeda.
O Coração das Trevas foi uma leitura no mínimo gratificante! Carregado de metáforas e simbolismos num texto de escrita fluida e poética, o livro propicia muito mais do que uma aventura envolvente nas selvas desconhecidas e inóspitas do Congo ou um relato histórico vergonhoso de uma época marcada pela exploração desenfreada do homem pelo homem. Ao retratar em seu cerne a corrupção, a decadência moral e a perversão da alma humana, ele nos coloca invariavelmente em contato também com as trevas que trazemos conosco e talvez nem nos demos conta. Afinal, do que ainda somos capazes em nome da melhor das intenções? Creio que a resposta evoque uma das mais famosas e impactantes frases deste livro e tal como Marlow ao fim de sua jornada e muito provavelmente também Conrad, ainda me sinto assombrado por ela! “O horror! O horror!” Recomendo!